A juíza Maria Lúcia Pizzotti Mendes, da 32ª Vara Cível de São Paulo, condenou a Telefônica a ressarcir todos os seus clientes pelos valores cobrados nos últimos 10 anos como "assinatura básica". A sentença, de mérito, deu ganho de causa à Associação Nacional de Defesa da Cidadania e do Consumidor (Anadec), que contesta judicialmente a legalidade da cobrança da assinatura básica desde 2004. Pela decisão, assinada em 19 de abril, a Telefônica terá que devolver em dobro todas as assinaturas pagas por seus clientes na última década, corrigidas a partir da data de cada pagamento mensal e acrescidas de juros de 1% a contar do momento da citação da sentença.
Ao condenar a concessionária, a juíza Maria Lúcia concluiu que a assinatura básica é abusiva, pois configura uma cobrança dupla pelo serviço prestado. O entendimento é que, ao cobrar por cada ligação individualmente na forma de pulso ou minuto, não há justificativa para que o consumidor também seja obrigado a pagar mensalmente uma taxa para a utilização do serviço, no caso, a assinatura.
"A assinatura não é serviço, ou seja, ter a assinatura não representa serviço prestado, já que está embutido no custo da ligação telefônica, já significativamente cobrada no aspecto de custeio, o valor da manutenção da linha pela operadora ré. Por isso, assinatura, não sendo serviço, não poderá contar com cobrança específica", argumenta a juíza em sua sentença.
A Telefônica argumentou no processo que a assinatura corresponderia, sim, a um serviço prestado. O serviço seria o de o consumidor ter "sua linha à disposição, ininterruptamente" e, assim, poder receber chamadas. Em sua argumentação, a juíza reservou espaço para rebater esse argumento, alegando que isso deixa clara a cobrança em duplicidade. "O serviço de telefonia depende, por óbvio, da participação de ao menos dois consumidores para que a ligação telefônica se estabeleça; e, em assim o sendo, uma delas, a que fez a ligação, pagará pelo serviço através da cobrança dos pulsos efetivada pela ré. Por isso, também sob esta ótica, cobrar-se de quem faz e de quem recebe a ligação é também bis in idem", ou seja, cobrança em duplicidade e, por isso, indevida, conclui a juíza da ação.
Controvérsias
A ação em questão teve a sua análise de mérito antecipada, conforme solicitado pela Anadec, após a mesma vara ter concedido liminar suspendendo a cobrança da assinatura em São Paulo. O julgamento antecipado pode ser pedido por qualquer parte quando os interessados entendem que as informações prestadas são suficientes para que a Justiça forme seu entendimento sobre o assunto.
Precedente
Antes de emitir a sentença, a juíza Maria Lúcia tentou uma conciliação entre a Anadec e a Telefônica, mas o acordo fracassou de acordo com o relatório. A decisão de mérito da 32ª Vara Cível poderá marcar uma nova etapa em torno da controvérsia sobre a legalidade da cobrança da assinatura básica pelas empresas de telecomunicações.
Isso porque, à primeira vista, a decisão em primeira instância choca-se com a súmula do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que considerou legítima a cobrança mensal do serviço com base na Lei Geral de Telecomunicações (LGT). Acontece que a sentença da juíza Maria Lúcia conta com o apoio de outras duas decisões do Judiciário.
A primeira é que o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu, ao analisar conflito de competência para julgar as ações sobre a assinatura básica, que essas causas têm natureza de consumo e, portanto, podem ser decididas até mesmo por juizados especiais. Além disso, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) determinou a transferência da ação civil pública em questão da 9ª para a 32ª Vara, entendendo que esta última é quem tinha a competência para julgar o assunto por ter sido a primeira a receber um processo desse tipo.
Por essas duas decisões, a juíza Maria Lúcia teria a competência atribuída para julgar o assunto como uma causa consumerista, ou seja, com base no Código de Defesa do Consumidor (CDC), e não pela LGT. E assim, seria legítimo, em princípio, o entendimento de que a assinatura básica é abusiva e ilegal sob a ótica do CDC, apesar de existir uma súmula do STJ dizendo que a cobrança é válida.
A decisão evidencia, no entanto, a controvérsia que por enquanto estava apenas no campo da teoria: se deve ser considerada a LGT ou o CDC nas análises das ações contra a assinatura básica. E, além disso, se vale o entendimento do STJ ou do STF sobre a questão. A concessionária ainda pode recorrer da decisão no TRF.
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