A inteligência artificial (IA) é um dos grandes temas do momento com suas inúmeras aplicabilidades para desenvolvimento de atividades cotidianas, muitas vezes repetitivas, das empresas. Os mais diversos setores correm para incorporar a IA ao seu negócio, quer como ferramenta de aumento de produtividade e eficiência operacional, quer no lançamento de novos produtos e serviços ao mercado.
Segundo a pesquisa realizada pela Accenture – intitulada AI: Built to scale –https://www.accenture.com/br-pt/insights/artificial-intelligence/ai-investments, em 2019 89% dos executivos da indústria de bens de consumo receavam que não conseguiriam atingir os seus objetivos de crescimento sem escalar a IA em seu negócio. Quase todos os executivos ouvidos veem a IA como um facilitador para prioridades estratégicas e a ampla maioria julga que é necessário utilizá-la em toda empresa para atingir um resultado positivo de seus investimentos na tecnologia.
Ainda, de acordo com outro estudo, este da IBM – chamado Global AI Adoption Index 2022 –, a adoção global de IA cresceu de forma constante em todo o mundo – 59% das empresas ouvidas na pesquisa que já exploraram ou implementaram afirmam que aceleraram o processo da tecnologia. No Brasil, 41% das empresas já possuem iniciativas e usos relevantes de IA desde 2022, sobretudo, para reduzir custos e automatizar processos.
O crescente uso da IA pelas empresas para fins de desenvolvimento de novos produtos e serviços também leva ao crescimento natural do número de divulgações, ofertas e publicidades realizadas ao mercado de consumo, fazendo referência expressa à IA. Ao mesmo tempo, ela tem ajudado companhias a lidar com a escassez de habilidades automatizando processos para que trabalhadores mais qualificados possam ser mais produtivos.
E é nesse contexto de uso exponencial da IA que surge a preocupação com o chamado "AI washing": alegações imprecisas, incertas ou por vezes até mesmo falsas relacionadas ao uso de IA por uma empresa para atrair investidores. O termo deriva do conhecido "Greenwashing" e surge como um novo ponto de foco de autoridades no exterior, a exemplo do presidente da Securities and Exchange Commission e da Federal Trade Commission dos Estados Unidos.
O "AI washing" não contempla apenas a hipótese de a empresa afirmar que usa IA quando, na verdade, não a usa. Seu conceito é mais amplo, abarcando hipóteses como a divulgação de produtos ou serviços nos quais a IA não é utilizada no produto ou no serviço final em si, mas apenas em algum segmento interno e operacional da empresa; ou ainda a divulgação de um produto ou serviço que até pode se valer de IA, mas que não gera ganhos concretos ou melhorias perceptíveis para os consumidores.
No ano passado, a Comissão Federal do Comércio dos Estados Unidos alertou as empresas que está atenta a alegações falsas de IA na publicidade de produtos. Em março deste ano, a SEC (Comissão de Valores Mobiliários dos EUA) multou duas consultorias de investimento por terem feito declarações falsas e enganosas sobre o uso de IA – elas desembolsaram US$ 400 mil dólares para encerrar acusações de AI washing.
No âmbito do Código de Defesa do Consumidor, os princípios da transparência e da informação ao consumidor permeiam toda a legislação. Ao fazerem divulgações, veicular publicidades ou ofertas de produtos indicando que se utilizam de IA, as empresas devem se assegurar que seus produtos e serviços efetivamente se valem de IA; e a IA seja um fator de impacto para o consumidor e não apenas uma ferramenta que em nada altera o produto ou o serviço.
Trata-se, na realidade, de um cuidado com a governança dessa nova tecnologia para que a empresa, inclusive, não sofra consequências por usar a IA como impulsionador de seu negócio por meio de alegações imprecisas, incertas ou incorretas.
Observa-se uma tendência de crescimento da judicialização de temas envolvendo o uso de IA no mercado de consumo no Brasil. Até o início deste ano, em levantamento realizado em todos os tribunais do Brasil, foi possível localizar quase 200 processos em andamento que abordam o uso de IA para prevenção de fraudes, moderação de conteúdos, reconhecimento facial, definição de score de crédito, entre outros.
Chama atenção uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que considerou que incumbia à empresa garantir a eficiência do serviço prestado, porque divulgava em seu site que possuía a melhor ferramenta (sistema de inteligência artificial) antifraude do mercado. Por ter havido uma falha de segurança em razão da autorização para uma transação fraudulenta, o Tribunal entendeu que a empresa não teria cumprido com o prometido em sua publicidade.
Além disso, apesar de o Conselho Nacional De Autorregulamentação Publicitária (Conar) ainda não apresentar disposição específica sobre IA, ele indica claramente no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária que o anúncio deve conter uma apresentação verdadeira. Além disso, não deve conter omissão, exagero ou ambiguidade que leve o consumidor a engano quanto ao produto anunciado. Todas as descrições, alegações e comparações que se relacionem com fatos ou dados objetivos devem ser comprováveis, cabendo aos anunciantes e agências fornecer as comprovações, quando solicitadas.
Portanto, quando uma empresa faz uma divulgação, oferta ou publicidade se valendo do uso de inteligência artificial como um diferencial seu, é preciso considerar o real impacto da IA sob seu produto ou serviço, prezando pela transparência ao consumidor.
Patrícia Helena Marta Martins, sócia nas áreas de Tecnologia e Inovação e Direito do Consumidor de TozziniFreire Advogados.
Isabel Stellino Ahmar, advogada na área de Tecnologia e Inovação de TozziniFreire Advogados.