A presença de crianças e adolescentes no mundo digital é um fenômeno transformador que exige reflexão sobre como estamos preparando as novas gerações para uma interação segura e consciente com a tecnologia. Esta responsabilidade se estende a famílias, escolas, empresas de tecnologia e ao próprio Estado, que, juntos, devem construir uma cultura de cidadania digital que garanta aos jovens o pleno desenvolvimento em um ambiente online seguro.
O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA, instância máxima de formulação, deliberação e controle das políticas públicas para a infância e a adolescência na esfera federal, em sua Resolução nº 245/2024, afirma que a proteção e a educação digital são direitos fundamentais, e o dever de garanti-los às crianças e adolescentes deve ser compartilhado por todos os setores da sociedade.
As escolas desempenham um papel crucial na construção da cidadania e também devem desenvolvê-lo no ambiente digital, promovendo nos alunos a consciência sobre os riscos e responsabilidades associados ao uso da internet. Essa função vai além do ensino técnico; ela abrange discussões sobre ética, segurança e privacidade, integrando essas questões ao currículo escolar para que o espaço educacional seja um local de reflexão e aprendizagem sobre as consequências de práticas como o cyberbullying e a exposição de dados pessoais no ambiente virtual. Em conformidade com o artigo 53 do ECA, que assegura o direito à educação e formação cidadã, as escolas devem preparar os alunos para o uso seguro da internet, desenvolvendo a capacidade crítica para reconhecer e evitar situações de risco.
Nessa linha, a participação ativa de famílias, professores e gestores na construção de planos pedagógicos que promovam a educação digital conectada à realidade dos jovens é igualmente essencial.
A mencionada resolução CONANDA incentiva essa colaboração, que, ao integrar diferentes atores sociais, cria uma rede de apoio que sustenta o aprendizado contínuo sobre o uso seguro e ético da internet, adaptando-se às constantes mudanças tecnológicas e reforçando um senso de responsabilidade digital entre os alunos.
É essencial, portanto, que as escolas se apropriem do seu papel crucial de protagonistas e adotem um papel proativo na formação dos jovens, oferecendo uma educação digital integrada e abrangente. A inclusão de temas como cidadania digital, segurança online e ética no uso de tecnologias no currículo escolar é fundamental para formar indivíduos conscientes, capazes de avaliar riscos e compreender suas responsabilidades no ambiente virtual. Ao capacitar as próximas gerações para enfrentar os desafios e riscos da internet, as escolas contribuem diretamente para a construção de uma cultura digital mais consciente e segura.
De outro lado, as famílias, como definem o ECA e a Resolução nº 245/2024 do CONANDA, também têm um papel de extrema relevância na supervisão e orientação dos jovens no uso da internet. Pais e responsáveis devem participar ativamente do acompanhamento da vida digital dos seus filhos, educando-os sobre os riscos e incentivando o uso ético e responsável das tecnologias. Essa supervisão é uma extensão do dever familiar de proteção, que inclui o controle sobre as interações virtuais e a prevenção do contato com conteúdos impróprios.
Por seu turno, o Estado, como prevê o artigo 227 da Constituição Federal e o artigo 4º do ECA, tem o dever de assegurar a proteção prioritária dos direitos de crianças e adolescentes, o que inclui o ambiente digital. Este papel envolve o desenvolvimento e a implementação de políticas públicas voltadas para a inclusão e a segurança digital, conforme detalhado na referida normativa do CONANDA, bem como a fiscalização e a punição dos infratores. O Estado, enquanto garante e promotor do bem-estar social, deve articular programas intersetoriais para combater o cyberbullying, a exploração sexual online, a publicidade direcionada diretamente ao público infantil e os conteúdos impróprios assegurando, assim, um ambiente virtual seguro para os jovens.
Medidas legislativas como o PL 2628/22, que exige controle parental e restringe a criação de contas para menores em redes sociais, representam uma resposta direta à necessidade de regulação do ambiente digital. Embora sejam urgentes, devem ser discutidas com profundidade e maturidade, de forma a garantir que plataformas online estejam em conformidade com os direitos fundamentais de segurança e dignidade das crianças e adolescentes.
Noutro giro, não se pode olvidar que as empresas de tecnologia têm responsabilidade exclusiva na criação de plataformas que priorizem a segurança dos usuários jovens, adotando um design ético e evitando mecanismos que incentivem o vício, como as notificações incessantes e feeds infinitos. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), e também a Resolução nº 245/2024 do CONANDA, exigem que essas empresas implementem ferramentas de controle parental, filtros de conteúdo e mecanismos de verificação etária, garantindo que o ambiente digital seja seguro para as crianças e adolescentes?. Tais controles devem ser divulgados e a sua configuração deve ser facilitada, para garantir proteção do melhor interesse do menor por seus tutores. A adoção de um design voltado para a segurança e a privacidade (privacy by design) é um passo importante para assegurar a proteção digital dos menores, impondo às empresas de tecnologia a responsabilidade de desenvolver produtos que respeitem os direitos e o bem-estar dos usuários mais vulneráveis.
Nesse contexto, o papel das famílias e da sociedade é igualmente crucial: pais e responsáveis devem acompanhar o uso da tecnologia pelos jovens e educá-los sobre práticas seguras na internet. Em conjunto, essas ações constroem uma base sólida para um futuro digital seguro, garantindo que crianças e adolescentes possam explorar as possibilidades tecnológicas de forma protegida e saudável.
A sociedade civil também é um ator essencial na mobilização por um ambiente digital mais seguro, incentivando e propondo iniciativas que protejam as crianças e os adolescentes. Campanhas de conscientização, como "Criança e Consumo" do Instituto Alana, estimulam o público a pressionar o governo e as empresas por posturas mais responsáveis. Esse engajamento coletivo demonstra a insatisfação popular com a exploração digital dos jovens e sensibiliza a sociedade sobre os riscos associados ao uso indiscriminado das tecnologias.
Por outro lado, projetos de lei como o PL 293/2024 do Estado de São Paulo, que prevê a proibição de celulares nas escolas inclusive em atividades extracurriculares, já Aprovado pela Assembleia e pendente apenas da sanção do Governador, aparentemente pode soar como uma solução, mas acaba por afastar a escola e até mesmo o Estado da responsabilidade pela Educação Digital e capacitação para o uso ético e seguro dos dispositivos.
Proibir é sempre mais fácil que educar, mas não podemos esquecer que os dispositivos são ferramentas poderosíssimas, tanto para o bem quanto para o mal e a privação do uso, ao invés de trazer o uso do celular para o contexto educacional e de trabalho, deixará, certamente, uma lacuna para esses jovens quando se inserirem no mercado de trabalho.
O Estado e a Escola devem unir esforços aos pais e plataformas para criar uma cultura ética e positiva de uso de dispositivos e não proibir seu uso nas dependências escolares.
Nesse sentido, ideia de proteger os jovens "na internet, e não da internet" sintetiza o objetivo central da educação digital moderna, que é prepará-los para um uso consciente, seguro e responsável das tecnologias. Somente com um esforço coletivo, unindo escolas, empresas de tecnologia, governo e famílias, será possível construir um ambiente digital onde as crianças e adolescentes possam explorar as possibilidades da tecnologia com confiança e proteção. Este compromisso conjunto pavimenta o caminho para um futuro digital inclusivo e ético, no qual os jovens possam desenvolver-se plenamente, navegando por um ambiente digital que respeita e promove seu bem-estar.
A responsabilidade é de todos, e apenas ao assumirmos este compromisso coletivo garantiremos um futuro digital enriquecedor e seguro para as próximas gerações.
Fernanda Araújo Couto e Melo Nogueira: Advogada formada pela Universidade Fumec, Mestre em Ciências Jurídico-Empresariais pela Universidade de Lisboa, Portugal, especialista em Privacidade e Proteção de Dados Pessoais pela EXIN e em Contratos pela FGV, MBA em Gestão Estratégica de Negócios na Fumec.
Walter Calza Neto: Advogado formado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, especialista em Propriedade Intelectual pela WIPO Academy, especialista em Compliance pela FGV, Pós-graduado em Direito Digital e Proteção de Dados pela EBRADI. Perito judicial do TJSP.