A queda de braço entre as grandes empresas de tecnologia dos Estados Unidos e governos de vários países, que querem que elas enfraqueçam seus sistemas de criptografia, cada vez mais sofisticados, destinados a proteger a privacidade dos consumidores, deve ganhar contornos de uma autêntica batalha durante painel de debate no Fórum Econômico Mundial, que acontece esta semana em Davos, na Suíça.
As discussões sobre como conciliar a privacidade online com a luta contra o terrorismo devem ser tensas, já que as empresas estão sendo pressionadas a encontrar maneiras de permitir que autoridades e órgãos de inteligência dos países contornem a criptografia para investigar atividades ilegais, incluindo ameaças de terrorismo.
As gigantes da tecnologia alegam que o enfraquecimento da criptografia poderá prejudicar a segurança na internet, e permitir que criminosos e hackers rompam seus sistemas de segurança.
Outro ponto de discórdia é que os países cada vez mais estão exigindo ter acesso a informações sobre as pessoas dentro de suas fronteiras. Mas ocorre que muitos dos maiores serviços online são baseadas e têm seus dados armazenados nos EUA, o tem gerado impasse sobre questões de jurisdição.
O fato é que as demandas de vigilância têm aumentando. Governos e agências de inteligência e segurança na União Europeia, por exemplo, fizeram cerca de 63 mil pedidos de informações sobre os usuários para a Microsoft, Google, Apple, Facebook e Twitter, somente no primeiro semestre de 2015, um aumento de 24% na comparação com o ano anterior, de acordo com uma análise do Wall Street Journal com base nos relatórios das empresas.
A pressão, no entanto, vai além da União Europeia. Na Turquia, os pedidos do governo de dados de usuários do Facebook aumentaram 141% no primeiro semestre de 2015, face ao ano anterior. Na Rússia, as solicitações de informações de usuários do Google cresceram 122% no mesmo período.
Desde 2013, quando o ex-colaborador Agência Nacional de Segurança dos EUA (NSA, na sigla em inglês), Edward Snowden, vazou documentos que revelaram o programa de espionagem em massa do governo norte-americano e de países aliados, as empresas de tecnologia começaram a desenvolver sistemas de criptografia cada vez mais sofisticados e fortes. Empresas como a Apple e o Google, por exemplo, começaram a fortalecer seus sistemas de criptografia de telefones móveis, de forma que elas próprias hoje não têm as chaves para decifrá-los.
Acordo multilateral
Agora, após os ataques terroristas em Paris, ocorridos em 13 de novembro do ano passado, autoridades do governo têm exigido que as empresas reduzam o nível da criptografia pelo menos das aplicações de bate-papo, de forma que lhes permitam que seja descriptografada. As autoridades alegam investigações estão sendo frustrados por causa de criptografia.
Mas a empresas do Vale do Silício estão fazendo um forte lobby em Davos. Elas alegam que a mudança da arquitetura para enfraquecer a criptografia irá abrir seus sistemas para hackers e criminosos. "Você pode fazer o que quiser a partir de uma perspectiva política, mas você não pode parar a matemática", disse Javier Aguera, cientista-chefe de Silent Circle, que fornece aplicativos de comunicação criptografados e telefones, ao jornal americano.
As empresas de tecnologia dizem que já cooperam com as autoridades de fora os EUA, mas que as suas mãos estão atadas pela lei americana. E sugerem que as autoridades europeias canalizem os pedidos mais detalhados para o governo dos EUA por meio de tratados bilaterais.
Em Davos, vários executivos disseram que estão pressionando para que os governos adotem um novo sistema para agilizar pedidos transfronteiriços. Tal sistema, que exigiria novos tratados e, eventualmente, poderia implicar uma nova partilha de dados acordo multilateral, teria como objetivo evitar conflitos legais, como o colocado por um projeto de lei do Reino Unido que exige que as empresas de tecnologia entreguem os dados de usuários diretamente às autoridades