A banda larga fixa tem crescido a passos largos no Brasil nos últimos anos, impulsionada pela escala de custos da fibra ótica e a necessidade crescente dos usuários. Esse fenômeno acelera a transformação digital e o desenvolvimento de novos serviços, e é inegável o potencial do segmento para quem busca abrir seu próprio negócio. Essa tem sido a onda que permitiu dezenas de milhares de empreendedores se estabelecerem como principais atores na inclusão digital, criando um mercado pujante de ISPs (Internet Service Providers ou Provedores de Serviço de Internet, em tradução livre) com atuação local ou regional atendendo diversas demandas sub atendidas pelas grandes operadoras.
Entretanto, o processo de abertura de uma empresa que preste serviços de banda larga requer atenção, sob diversos aspectos. Sem uma visão macro sobre o tema, considerando etapas que passam desde a estrutura técnica ao planejamento financeiro, o gestor do ISP terá de lidar com surpresas e riscos desnecessários, que podem comprometer a experiência do usuário e até mesmo a viabilidade técnica do negócio.
Como um setor extremamente aquecido e com um serviço de necessidade básica que deve funcionar 24 horas por dia e 7 dias por semana, se destacar entre os concorrentes e manter uma margem saudável não é uma tarefa de simples execução. Por isso, ter um bom planejamento técnico e financeiro, confirmar a demanda e ter bons fornecedores é fundamental para o sucesso da operação.
O passo a passo para se tornar um ISP
Passo 1 — Estabelecer uma empresa
Primeiramente, ao iniciar a abertura da empresa empreendedor deve adotar o regime tributário mais adequado, sendo o Simples Nacional a melhor escolha para os primeiros passos, e, desde o princípio, separar as cobranças de banda larga de outros serviços. Os principais CNAEs (Classificação Nacional de Atividades Econômicas) usados para provedores são:
- 61.10-8-03 — Serviços de comunicação multimídia — SCM;
- 61.90-6-01 — Provedores de acesso às redes de comunicações
- 61.90-6-02 — Provedores de voz sobre protocolo internet – VOIP
Na Anatel, autorização é obrigatória como prestador de Serviço de Comunicação Multimídia (SCM) acima de 5 mil usuários, ficando, portanto, a grande maioria dos pequenos provedores isenta dessa autorização, sendo necessário apenas o cadastro e o pedido de dispensa da autorização.
Caso o provedor use radio enlaces em frequências licenciadas, no entanto, não existe dispensa e eles devem ser registrados na Anatel normalmente.
Passo 2 — Planejamento técnico comercial
Ao se imaginar uma operação comercial de banda larga fixa, é possível fazer um paralelo ao varejo com loja física. Essa operação irá atender clientes próximos fisicamente, a natureza do negócio é comprar no atacado e vender no varejo, incluindo os custos de operação e margem de lucro.
Porém, um ISP difere radicalmente de uma loja física tradicional por operar com um meio físico distribuído — as fibras óticas aéreas que correm nos postes ao longo de toda rede de distribuição que conecta as casas dos usuários finais ao datacenter do ISP — assim como a natureza do serviço ser de necessidade básica e deve funcionar 24 horas por dia, 7 dias por semana.
Essa condição é um ponto de reclamação de quase todo empreendedor de sucesso no ramo, sendo considerado a terra da insatisfação eterna dos usuários finais, seja por mau uso, falta de conhecimento geral em tecnologia da informação ou até mesmo por problemas técnicos além da rede que está no controle do ISP.
Considerando isso, listamos os principais pontos para o planejamento técnico comercial:
- Presença de concorrentes na região: quais são seus concorrentes, como eles atuam e com qual segmento de público? Para qualquer negócio, é necessário avaliar qual o preço a ser ofertado e o tamanho do público-alvo. Tipicamente para um ISP, é mais fácil competir com uma grande operadora que tem um serviço mais caro, e exclui dos seus potenciais clientes quem tem nome negativado no Serasa, do que um provedor que esteja ofertando planos no limiar do prejuízo;
- Tamanho do investimento: por ser um negócio de infraestrutura, existe uma necessidade grande de investimento antes da empresa ter fluxo de caixa livre para retiradas de lucro ou novas expansões. Considerando um valor médio de receita de R? 100 por usuário para um plano de 100 M/mês, são necessários 9 meses de assinatura para deixar neutro o caixa para um custo de aquisição típico de R? 900/cliente. Mesmo para uma operação pequena para 1000 clientes, é necessário um investimento de R? 1MM ou superior. Ter bons fornecedores de equipamento com parcelamento, linhas crédito pré-aprovadas e um planejamento são fatores determinantes para o sucesso da operação;
- Custos operacionais: os três maiores custos do provedor são, nessa ordem: equipe interna, link (banda no atacado) e postes. É tradicional que o empreendedor tenha conhecimento técnico da área de redes e conhecimento da sua região para minimizar o impacto desses dois primeiros itens, mas, conforme a operação vai crescendo, é inevitável contratações que podem ser caras e difíceis para a parte da equipe, além de ter concorrência potencial com quem forneceu o link. Saber capacitar profissionais locais, estabelecer seus CDNs (conexão direta/cache com os principais provedores de conteúdo) e manter esses custos sob controle é a chave para os empreendedores que saem da faixa de 1000 assinantes e superam os 5000. Sobre postes, até mesmo para os maiores ISPs do Brasil é uma luta constante para manter o custo abaixo de 10% da receita.
Passo 3 — Uma gestão orientada à inovação
As partes técnica e financeira são decisivas para que um provedor de serviços de banda larga obtenha sucesso. Porém, não se pode deixar de lado a necessidade de se construir uma gestão inovadora, modernizada e voltada à necessidade do cliente. Olhar para dentro do negócio e reconhecer pontos de aprimoramento deve se tornar um hábito rotineiro para os empreendedores que lidam ao mesmo tempo com viabilidade dos seus negócios e a diminuição contínua das margens, seja pela entrada de concorrentes ou pelo aumento da complexidade inerente ao crescimento.
Portanto, uma vez conquistado o cliente final, é necessário entender quais serviços adicionais podem ser oferecidos para preservar a base existente, diminuir a pressão pela redução dos valores dos serviços e aumentar a satisfação. Dentre os serviços adicionais mais populares hoje estão pontos extra de cobertura de Wi-Fi e combo com serviços de streaming para inclusão de segmentos da população que são desbancarizados em serviços os quais demandam cartão de crédito quando comprados de forma avulsa.
Mas, com todas essas dificuldades, ainda vale a pena ser um ISP?
Encerrando o artigo, retorno à afirmação de que esse é um mercado que continuará se expandindo, com novas soluções surgindo a todo instante. A concorrência existe, de certo, mas o espaço para empresas qualificadas nunca esteve tão claro. A experiência de uso intenso de vídeo e outras aplicações do uso da internet deixou a banda larga como uma necessidade básica do ser humano, até mesmo das crianças.
Portanto, os ISPs que forem além da entrega da conectividade básica e apostarem na inovação e entendimento da necessidade dos seus clientes vão navegar muitas ondas de crescimento e boas margens com a introdução de novos serviços e de transformação digital. Esses ciclos têm sido constantes desde a privatização das telecomunicações em 1998 e vão continuar cada vez mais em destaque.
Fabio Moreira, diretor de Marketing da Celeti.