Pesquisa do Yankee Group, realizada nos Estados Unidos, coloca mais lenha na fogueira que aquece a batalha entre o Windows, da Microsoft, e os sistemas abertos, liderados pelo Linux. O estudo destaca que a confiabilidade e o desempenho do ambiente Microsoft é igual ou superior ao seu oponente
Mal comparando, discutir a questão do uso de Linux e do Windows nos servidores tem se tornado uma tarefa tão complexa quanto saber os direitos de Palestinos, Cristãos e Judeus sobre o terreno sagrado de Jerusalém ? disputa que evolui desde os tempos imemoriais. Na Cruzada tecnológica, existe muito de política envolvida, uma grande parcela de posicionamento de mercado dos players e uma bela pitada de rivalidade que cresceu nos últimos dois anos. Para colocar pimenta na discussão, o Yankee Group fez uma pesquisa com corporações norte-americanas para avaliar o uso das duas plataformas, e o resultado, que em uma primeira leitura é favorável ao Windows, gera polêmica.
É interessante situar que a trajetória do Windows no mundo dos servidores é semelhante ao estágio de crescimento do Linux. Ambos começaram na periferia dos departamentos de TI. O Windows surgiu como uma alternativa ao Unix na plataforma baixa, que depois se mostrou dominante com o downsizing e o modelo Wintel (sistemas Windows combinados com máquinas de chip Intel). Já o Linux surgiu como uma alternativa ao sistema de Bill Gates e como um sucessor mais light do poderoso Unix. Assim como o Windows evoluiu para o centro das plataformas de servidores, o Linux começa a fazer o mesmo movimento em muitas corporações. Resultado: o controle da ?Jerusalém de TI? é renhido e move os dois lados.
Ninguém pode negar, nem mesmo a Microsoft, dona do Windows, ou a IBM, um dos poderosos padrinhos do Linux, que o sistema aberto tem ganhado espaço. Assim como é normal admitir que o ambiente corporativo começa a utilizar o software livre, mesmo antes do esforço do Governo Lula em empunhar essa bandeira. Um movimento que, claro, chamou a atenção do mercado e acelerou o reconhecimento da alternativa.
Os números apontam para o crescimento dos sistemas abertos (veja box com pesquisa do Softex). De acordo com a IDC, o sistema Linux já responde por 9% do mercado mundial de sistemas operacionais e a projeção é que atinja 18% em 2007. Na pesquisa do Yankee, a penetração do sistema aberto nas companhias norte-americanas é de 50% e as utilizações são as mais variadas possíveis. Um percentual, aliás, que para alguns analistas pode até ser maior. Como não existe um programa de licenças do Linux é complicado verificar e controlar a entrada do sistema nas corporações.
Mas a briga está apenas começando, com o Linux em franco avanço rumo ao coração das empresas. ?A tendência é o sistema devorar o que ainda resta de presença do Unix e seguir adiante. A competição é boa, fez até com que o Windows melhorasse?, aponta Cezar Taurion, gerente de novas tecnologias aplicadas da IBM Brasil e autor do livro Software Livre, Potencialidade e Modelos de Negócio.
Polêmica na interpretação
Os resultados de performance e utilização divulgados pelo Yankee são ainda mais polêmicos. ?Achei a pesquisa tendenciosa, é preciso ler o relatório com muito senso crítico. De acordo com o título do gráfico de licenciamento do Windows (veja a fatia de cada um abaixo, em Divisão do Patrimônio), 2/3 dos pesquisados dizem que ele está econômico. Mas se você reparar, 38% disseram que aumentou, 35% que continua na mesma e 27% é que apontam que os valores decresceram?, rebate Taurion.
E ele segue em sua crítica. ?O resultado de performance da pesquisa do Yankee é muito genérico, é preciso comparar no mesmo ambiente, e verificar as versões utilizadas?. No que concorda Roberto Prado, gerente de estratégias de mercado da Microsoft: ?é preciso comparar maçã com maçã, e elas precisam estar na mesma árvore e galho?, diz. Como árvore e galho, entendam-se mesmas aplicações e servidores.
Prado, no entanto, elogia a iniciativa do Yankee, mais até que os resultados favoráveis ao Windows. ?Trabalhamos sempre com fatos, com cases, nossa abordagem é levar a informação para os clientes. O esforço da indústria em auxiliar a escolha da melhor plataforma deve ser aplaudido. Temos que separar os fatos do mito?, alerta. Entre os mitos, para Prado, está a questão do custo sempre associado como de menor monta quando se fala em Linux. No entanto, a pesquisa do Yankee não dá boas notícias ao apontar o maior custo de downtime das plataformas, que seria três vezes superior no Windows que no Linux.
Para Taurion, a maior parte do TCO envolvido na continuidade das plataformas é basicamente voltado para a mão-de-obra. Segundo ele, os custos de suporte em Linux, mais restritos, podem até ser maiores hoje, mas tendem a cair com a maior oferta. Esse foi um fator decisivo para a Agrenco. ?Estudamos as plataformas operacionais, testamos as soluções e optamos pelo Windows. Ele oferece mais flexibilidade e um melhor suporte do que as opções em Linux?, garante Fernando Locatelli, gerente de TI da empresa. ?Se eu estivesse no Rio de Janeiro, em São Paulo ou no Rio Grande do Sul, talvez a história do suporte fosse diferente?, completa.
Grupo voltado ao agronegócio, a Agrenco foi estruturada em 2003 com a fusão de cinco empresas do setor e tendo como sede Itajaí, no vale de mesmo nome, em Santa Catarina. E o desafio era grande, pois todos os ambientes de redes eram heterogêneos e fora de padrões. Na comparação de custos e benefícios feita pela companhia, os valores levantados nas duas plataformas foram semelhantes. A empresa possui hoje um servidor com Linux para o firewall em meio a outras 15 máquinas com Windows. ?A razão para manter a plataforma é que preciso ter uma segunda infra-estrutura de segurança presente. E ele funciona bem?, aponta Locatelli.
Ataques e mais ataques
No quesito recuperação de ataques, as companhias pesquisadas apontam que o Linux demora 30% mais que seu concorrente. ?Não me surpreendeu, o Linux, atualmente, é mais vulnerável à ataques. Em sites que relatam invasões eles são campeões. E o suporte deles é deficiente?, critica Prado, da Microsoft, no que rebate Taurion. ?A recuperação de ataques passa pelo suporte oferecido, não pela plataforma. Por ser muito novo, o Linux ainda não tem suporte em todos os lugares. O Windows há seis ou sete anos tinha a mesma deficiência?, compara.
O quesito segurança, no entanto, é uma das motivações que fez com que a Comil seguisse utilizando o Linux. ?Já existia a cultura na empresa, a plataforma é mais estável e garante maior segurança que o Windows. Migrei a última máquina quando colocamos o novo sistema de ERP na companhia?, contate. Empresa fabricante de carrocerias e ônibus, localizada em Erechim, no Rio Grande do Sul, estado com forte cultura de sistemas abertos, a companhia possui 15 servidores que sustentam a produção de 220 ônibus/mês.
Outras razões que definiram a manutenção da cultura pré-existente, segundo Yoshihara, foram a manutenção eficiente da plataforma, feita interna e externamente por um parceiro, e a questão dos custos, ?muito menores que o NT, principalmente no suporte?, além dos problemas de segurança do mundo Windows. Prado, da Microsoft, discorda e afirma que se o Sistema de Pagamentos Bancários utiliza a plataforma NT é porque eles sabem que ela é mais segura.
Neste momento, o projeto da Comil esta na fase de integração que permitirá aos administradores o gerenciamento de todos os recursos disponíveis nos diferentes servidores a partir de uma console central, com a solução da integradora LinuxMax. ?Estamos desenvolvendo uma interface gráfica, que ainda é um grande problema da plataforma, junto com um parceiro?, revela.
A maior crítica ao mundo dos sistemas abertos, no entanto, extrapola a pesquisa do Yankee ? e existe há anos: é a falta de uma estratégia de desenvolvimento que resguarde o usuário. Porém, se o Linux começou como uma comunidade, agora tem uma estrutura profissionalizada por trás. Hoje, existem três níveis de desenvolvimento: 100 pessoas espalhadas pelo mundo, responsáveis pelo Kernel (o núcleo do sistema); outros mil profissionais que colaboram; e outros milhares que auxiliam as camadas acima. ?A IBM, por exemplo, possui centros, chamados de Linux Technology, que escrevem inclusive diretamente para o Kernel.
Existe uma massa crítica e o Linux é apoiado pela indústria como um todo?, assegura Taurion.
. Divisão de Patrimônio
Base de sistema operacional no servidor, segundo pesquisa da FGV
Windows 63%
Unix e Família 30% (15% Linux)
Novell 4%
Outros 3%
Fonte: 16o. Pesquisa Administração de Recursos de Informática FGV-SP
BOX: Pesquisa no mundo Linux
Com o nome de ?Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil?, a pesquisa realizada pelo Softex (Associação para Promoção da Excelência do Software Brasileiro) e pelo Departamento de Política Científica e Tecnológica da Universidade Estadual de Campinas ? UNICAMP, mapeou o universo da plataforma Linux no Brasil. Um documento que, de acordo com seus organizadores, tenta explicar a presença do sistema no mercado.
Isso depois de um ano de trabalho, dividido em quatro fases distintas: um painel com 50 profissionais ? especialistas, desenvolvedores, usuários e gente ligada à comunidade de desenvolvimento da plataforma ?; uma enquête eletrônica com 3.657 respostas (dos quais 1.953 desenvolvedores); entrevistas com desenvolvedores e usuários; e pesquisas com outras fontes de informação e conversas com 16 empresas. ?O resultado é que um novo modelo de desenvolvimento está se instalando. Muitas empresas de grande porte apontam que o Linux é estável, e existe uma profissionalização rápida?, garante Giancarlo Stefanuto, coordenador geral da Softex.
Para ele, a curva de crescimento da utilização do Linux deu um salto inegável com o Governo Lula e suas políticas de investimento em software livre. ?O usuário corporativo respondeu a isso com uma maior confiança na plataforma. Quem está na ponta final quer que funcione bem a um custo menor, não importa muito o quê ele usa e sim que ele seja bem atendido?, garante Stefanuto. Ele argumenta que mesmo com uma mudança política, com a entrada de um novo Governo em 2007, a plataforma Linux não deve frear seu crescimento.
?Não queremos fazer apologia ao software livre, mas colocar mais informações para o debate de utilização das plataformas. Sabemos que este ambiente não é a solução para todos?, assegura Stefanuto. Entre os resultados mais destacados está o que aponta que a motivação do uso do software livre se deve a questões econômicas e técnicas, e não apenas do custo. Assim como revela a sua utilização em expansão por grande companhias ? os sistemas estão presentes em 64% das empresas que faturam mais de R$ 1 milhão por ano ? e em 65% daquelas com mais de 99 funcionários. Os setores da economia nos quais a presença é maior: comunicação, governo, comércio e educação.
A pesquisa estima ainda que o mercado para os sistemas operacionais baseados em software livre alcançou a dimensão de R$ 77 milhões, com potencial de dobrar ou até mesmo triplicar esse valor até 2008. No entanto, os resultados são questionados pelo outro lado da trincheira. ?A consulta foi feita no mundo Linux e a pesquisa é muito restrita aos usuários e a comunidade de software livre, o conteúdo é questionável?, afirma Roberto Prado, gerente de estratégias de mercado da Microsoft.