A humanidade vive hoje desafios ímpares e exponenciais que se agravam à medida que a concentração de riquezas aumenta e o acesso aos bens de consumo básicos ficam restritos aos mais ricos. Até 2050, seremos nove bilhões de pessoas em todo o planeta. São dois bilhões a mais do que em 2017, o que representa a necessidade de se produzir uma média anual adicional de mais de um bilhão de toneladas de cereais e 200 milhões de cabeças de gado. Além disso, convivemos hoje, em pleno século XXI, com 800 milhões de pessoas famintas no mundo. Para suprir essa crescente demanda, precisaremos produzir 70% mais alimentos em 2050 do que em 2006, com o mínimo de utilização de terras cultiváveis adicionais. Há necessidade, portanto, de sermos mais eficientes na produção de alimentos e o investimento contínuo em tecnologia aumenta muito a eficiência no processo produtivo.
Isso é parte da transformação digital que está forçando as empresas a tomarem uma decisão: investir continuamente para liderar essa transformação ou ficar parado e correr o risco de se tornar obsoleto. As possibilidades e oportunidades são infinitas e só são prováveis devido à convergência dos mundos físico e digital. A internet das coisas (IoT) é a ponte entre esses mundos e acontece pelo barateamento dos sensores, advento das tecnologias de conectividade ubíquas, pelo bigdata, cloud e analytics. Todas essas inovações chamam a atenção exatamente por ocorrerem em áreas – como a da comunicação complexa – que pareciam definitivamente reservadas ao trabalho humano.
O progresso tecnológico é lento e gradual, até que explode. E é exatamente esse o momento que estamos vivendo! Os computadores estão sendo para nosso poder mental o que o motor a vapor foi para o nosso poder físico. O resultado é a maior transformação na história desde a Revolução Industrial. Veículos autônomos no campo existem há muitos anos, mas, hoje, espera-se que esse veículo possa tomar sozinho decisões baseadas em uma infinidade de dados que recebe da internet. Isso é parte da Agricultura 4.0, que acontece pelo uso inteligente dos dados e, portanto, deve ser considerada estratégica pelos grandes produtores, cooperativas e, por que não, pelos pequenos agricultores.
Atualmente, os EUA lideram o uso de IoT no campo. Eles produzem 7,3 toneladas de cereal (arroz, por exemplo) por hectare enquanto a média mundial é de 3,8. No Brasil, em 2013, essa média era de 4,6. Com adoção de IoT, o custo da energia caiu cerca de 13 dólares por hectare e o uso de água caiu 8%, principalmente em culturas irrigadas.
Para se ter uma ideia do potencial da tecnologia, está previsto um crescimento médio anual de 20% na quantidade de dispositivos de IoT implementados no campo, que chegará a 75 milhões em 2020. O Brasil, potencialmente, representa até 5% desse volume, o que amplia nossos desafios, principalmente quando pensamos em conectividade.
Baseado em conversas que tive com diversos produtores agrícolas nos últimos meses, esta é a maior barreira para a Agricultura 4.0 na América Latina. Maior até mesmo do que o acesso ao crédito e à capacitação. Para viabilizá-la, precisamos de informação em tempo real. Precisamos também conectar sensores a preços atrativos. As tecnologias LPWA (low power wide area) terão um importante papel nesse cenário. De acordo com uma pesquisa da Machine Research, teremos cerca de 117 milhões de conexões LPWA na agricultura em 2024, contra pouco mais de 160 mil em 2015. Em parte, esse crescimento exponencial coincide com a drástica redução dos custos dos sensores e da operação das redes.
A Sigfox, operadora de origem francesa, desenvolveu uma tecnologia LPWA própria de baixíssimo custo de conectividade e tem investido alguns milhões de reais para cobrir estados inteiros no Brasil, levando conectividade "narrow-band" ao campo. Com a implementação de NB-IoT pelas operadoras, abre-se também novas possibilidades para reduzirmos o gap de conectividade no campo.
Desde o Estado Novo, com Getúlio Vargas, cunhou-se a expressão "Brasil, celeiro do mundo" – destacando a vocação agrícola brasileira. De fato, o setor agropecuário nacional tem segurado nos últimos anos nossa economia, apresentando recordes de safra. Além disso, temos a maior área cultivável do mundo. Porém, não somos tão produtivos quanto países que já abraçaram a tecnologia de forma massiva no seu processo de plantio, colheita, abate, controle de pragas, transporte e etc.
Para sermos, de fato, celeiro do mundo, é fundamental que a conectividade e a transformação digital estejam devidamente enraizadas nos nossos vastos campos, ajudando nossos produtores a reduzirem seus custos, serem mais competitivos e produtivos.
O presidente americano Dwight D. Eisenhower, em um discurso em 1956 na Universidade de Bradley, em Illinois, disse que "a agricultura parece fácil quando trocamos o arado pela caneta, e quando se está a milhares de milhas do campo de milho". Portanto, é necessário que setores público e privado coloquem os pés no barro, entendam as demandas corretas dos produtores e ajudem nesse processo de digitalização do arado.
Lucas Pinz, diretor de tecnologia da Logicalis.