Com uma história de mais de duas décadas na área de educação, Daniel Luzzi é um educador que não apenas vive, mas reinventa a interface entre tecnologia, educação e sustentabilidade. Com uma formação sólida que vai da licenciatura na Universidade de Buenos Aires ao pós-doutorado na USP, ele é fundador e CEO da Cognita Learning Lab, além de cofundador e Diretor de Aprendizagem da UniCTE.
Sua trajetória é marcada por uma convicção clara: a educação precisa se adaptar aos novos tempos – e isso exige um redesenho profundo nas formas de ensinar e aprender. "Uma startup permite pesquisar, implementar, avaliar e trazer impacto real na realidade. É por isso que atuamos nesse campo", afirma. O trabalho do laboratório abrange projetos com empresas, bancos, organismos internacionais como a Unicef, e também com governos e prefeituras em todo o Brasil.
A Cognita desenvolve tanto tecnologia educacional quanto social. Um dos projetos de maior destaque é o ZUP – Zeladoria Urbana Participativa, um software livre financiado pelo Instituto TIM. Implementado em cidades como São Bernardo do Campo e Rio de Janeiro, o sistema promove a gestão pública participativa, conectando a população à administração municipal com resultados expressivos, como o aumento de mais de 70% na resolução de problemas em algumas regiões.
Ao mesmo tempo, Luzzi e sua equipe também contribuem diretamente com a educação formal, participando da criação de programas de educação em tempo integral em cidades como São José dos Campos, e promovendo iniciativas de formação docente, educação ambiental e cidadania – sempre com metodologias à distância ou híbridas.
"Começamos sempre com um diagnóstico. A partir das dores identificadas, desenhamos soluções, criamos conteúdos, aplicamos a tecnologia e avaliamos os resultados. Nossa atuação vai de ponta a ponta", explica Luzzi.
Uma nova visão de aprendizagem
No centro dessa proposta de transformação está a Cognitron, uma plataforma criada com base em princípios metodológicos inovadores. Segundo Luzzi, ela foi construída com a ideia de romper com a lógica tradicional da educação, que ainda insiste em priorizar conteúdos em vez de problemas reais.
"Hoje vivemos um paradoxo: temos acesso a mais informação do que nunca, mas também sentimos mais ignorância. A aprendizagem precisa ser visual, com foco na ação e organizada em uma jornada inteligente. Nossa plataforma parte de desafios reais, e o conteúdo entra como suporte, não como protagonista", afirma.
Inspirada na teoria dos esquemas, que propõe que a aprendizagem ocorre por meio da formação de estruturas mentais, a Cognittron aposta em mapas visuais, gamificação, simulações e atividades abertas. Com o auxílio de inteligência artificial, os alunos são guiados por jornadas de conhecimento personalizadas, onde constroem sentido e aplicabilidade para os saberes adquiridos.
A IA está presente em diversos níveis da Cognittron. Desde a criação de atividades realistas até o suporte de um tutor virtual que ajuda o aluno a processar e aplicar conhecimento. "Não queremos uma IA enciclopédica. Nosso foco é ajudar o aluno a pensar, a comparar, a construir conhecimento com base nos desafios reais que ele enfrenta", diz Luzzi.
Outro destaque da plataforma é seu sistema de análise de clima e comportamento. A IA interpreta comentários e ações dos usuários para entender o ambiente emocional da aprendizagem, indicando pontos de atenção e melhorias contínuas.
A inteligência artificial entra em cena com uma função muito clara: apoiar, não substituir. Luzzi vê com cautela a euforia em torno da IA. "Há um risco grande de voltarmos a uma pedagogia condutivista, de estímulo-resposta, onde a máquina responde, mas não sabemos de onde vem a resposta, quem a elaborou ou quais vieses carrega", alerta.
Na Cognita, a IA atua de maneira transparente: ajuda o aluno a processar conteúdos, dá suporte ao uso de materiais legados da empresa e envia flashcards periódicos para manter vivo o conhecimento. "O conteúdo precisa estar disponível na mente, pronto para ser usado. Senão, desaparece", diz.
A Cognittron não oferece um pacote fechado. Pelo contrário, ela se adapta às necessidades de cada parceiro. Sua estrutura modular permite criar experiências de aprendizagem totalmente customizadas, desde a organização conceitual até a navegação visual – como o exemplo de uma escola de culinária que usou o conceito de panelas para organizar seus conteúdos.
Além disso, Luzzi explica que a plataforma é construída com banco de dados em grafos da Neo4J, o que possibilita a criação de relações complexas entre conteúdos e contextos. "Hoje, o mais importante não são os objetos em si, mas como eles se relacionam nos diferentes cenários", destaca.
Futuro do aprendizado
"A Cognita Learning Lab segue em expansão. Com integração entre website, checkout e plataforma, já está sendo lançado um novo módulo via WhatsApp para democratizar ainda mais o acesso ao aprendizado. "O que queremos é formar pessoas capazes de agir sobre a realidade, não apenas falar sobre ela", resume Luzzi.
A Cognita aposta em microlearning, jornadas personalizadas e simuladores interativos disparados via WhatsApp — especialmente voltados a quem está na linha de frente: vendedores, operadores de call center, trabalhadores do chão de fábrica.
Num mundo em constante mudança, o modelo de educação proposto por Luzzi oferece uma alternativa concreta: aprender para transformar – com propósito, com método e com impacto.
Universidades setoriais e reconhecimento internacional
A startup coleciona iniciativas de impacto. Foi responsável pela ZUP – Zeladoria Urbana Participativa, plataforma que venceu o prêmio Governarte, do Banco Interamericano de Desenvolvimento, por seu uso em Boa Vista e São Bernardo do Campo. Também conduziu projetos de educação multilíngue para cem mil alunos em oito países, em parceria com o Santander, além de contribuir na gestão das Olimpíadas de 2016.
Um de seus projetos mais ambiciosos atualmente é a Universidade Setorial da Construção, voltada à qualificação de engenheiros e gestores da construção civil. Com 25 cursos e certificações, a iniciativa já demonstrou impacto direto na redução de erros técnicos e aumento da eficiência operacional das empresas envolvidas.
"Hoje enfrentamos um apagão de mão de obra técnica. A formação universitária não está conseguindo atender à complexidade do mercado. Nossa resposta foi desenvolver um sistema com trilhas claras, desafios práticos e resultados mensuráveis."
Governança do saber
Apesar de acreditar no potencial transformador da tecnologia, Luzzi é enfático ao afirmar que ela não pode ser usada sem governança. "Se deixarmos o processo de aprendizagem apenas nas mãos da IA, corremos o risco de criar bolhas, encapsular pessoas em trilhas solitárias. O aprendizado precisa ser intersubjetivo, construído a partir de diferentes perspectivas e realidades."
Por isso, a Cognita também atua na transformação cultural das organizações. Oferece workshops de action learning, formações sobre cultura de aprendizagem e até abordagens de "aprendizagem expansiva", que propõem resolver contradições estruturais no ambiente de trabalho como parte do processo educativo.
O futuro da educação não é rápido. É ágil.
"A transformação digital confundiu rapidez com agilidade. Mas ser ágil é ajustar o rumo com consciência. E isso exige tempo para pensar", provoca Luzzi, que também é doutor e pós-doutor pela USP e professor da Fundação Dom Cabral.
Para ele, o futuro da aprendizagem corporativa está menos na promessa de plataformas "tipo Netflix" e mais em ambientes inteligentes que ajudem as pessoas a aprender a partir da experiência, com foco, contexto e sentido.
A proposta é clara: trocar o mar de informações por mapas de conhecimento. E, acima de tudo, ajudar o profissional a não só aprender mais, mas aprender melhor.