A recente aceleração da digitalização dos processos no Brasil, causada pela pandemia de Covid-19, trouxe diversas mudanças à prática jurídica. Por um lado, levou a um acesso mais amplo e simplificado à justiça, permitindo que partes envolvidas em casos judiciais pudessem acompanhar e participar de todas as etapas do processo de forma remota e eficiente. Esta rápida transição para o ambiente digital ressaltou a necessidade urgente de se implementar medidas robustas de segurança, proteção e disponibilidade de dados, a fim de evitar seu vazamento, acesso não autorizado e indisponibilidade de acesso. Neste contexto, os tribunais precisam contar com recursos para garantir a disponibilidade de seus serviços. Um deles pode ser o bloqueio de acesso do escritório a esses sistemas.
Em meio à digitalização acelerada, surge uma tendência intrigante: o uso de sistemas automatizados para acesso aos tribunais. Exemplos disso são os "robôs jurídicos" ou as soluções de automação robótica de processos (RPA) judiciais. Advogados, escritórios e empresas estão recorrendo a essas ferramentas virtuais para buscar informações em massa sobre processos, enviar petições e até mesmo obter respostas básicas a questões jurídicas. Essa tendência proporciona mais agilidade ao fluxo de informações e à tramitação de casos. Por outro lado, quando centenas de robôs realizam o acesso aos sistemas dos tribunais, podem acabar causando uma sobrecarga e levando à indisponibilidade.
Além disso, essa prática também coloca em pauta questionamentos sobre a equidade no acesso à justiça. Isso porque usuários legítimos acabam competindo com robôs para terem acesso aos recursos dos tribunais. Essa interação entre humanos e robôs nos tribunais requer uma consideração cuidadosa para garantir que o acesso à justiça permaneça inclusivo e imparcial.
Hoje, nossos escritórios operam em um ambiente de acesso aos tribunais que é impactado por três fatores cruciais. Um deles é a diversidade de sistemas de consulta processual, que introduz complexidade ao sistema. Atualmente, o sistema PJe lidera a condução de cerca de 25% dos processos, enquanto o sistema E-Saj abarca outros 20%, e diversas outras plataformas como E-STF, E-STJ, E-Proc, Creta, Tucujuris, Apolo e Projudi compartilham o restante.
Outro fator é a falta de planejamento e recursos nos tribunais para uma implementação ágil de acessos digitais aos processos. A ausência de interfaces automatizadas, em contraste com webservices, gera a necessidade de robôs que simulam interações humanas. No entanto, isso aumenta a complexidade, devido a variáveis de design destinadas ao entendimento humano, como imagens, botões e animações.
Por fim, a ascensão de robôs em busca de informações, intimações, citações e peticionamentos em massa revela uma ameaça adicional. A proliferação de startups acessando os dados judiciais de maneira incessante sem coordenação sobrecarrega ainda mais os servidores dos tribunais. Como resultado, o acesso se torna mais oneroso para os usuários genuínos, especialmente em horários de pico.
Os sistemas eletrônicos dos tribunais de justiça brasileiros ficam disponíveis de forma ininterrupta, 24 horas por dia. Porém, esses sistemas podem ficar indisponíveis por diversos motivos: manutenções no sistema, problemas com a plataforma ou excesso de acessos. Infelizmente, a indisponibilidade dos sistemas dos tribunais é algo comum. Tanto que existem alguns protocolos, como a certidão de indisponibilidade, documento emitido para garantir que as falhas não afetem negativamente o andamento dos processos judiciais. Dessa forma, por exemplo, se o sistema estiver indisponível por alguma razão, a certidão serve como base para a prorrogação dos atos de um processo. Além disso, tribunais como o TJSP emitem avisos de indisponibilidade sempre que um erro assim acontece.
Um levantamento realizado pelo nosso software que facilita o compartilhamento de certificados digitais em escritórios de Direito de maneira segura, evitando fraudes, mostra que o volume de acessos pode causar indisponibilidade ou demora no tempo de resposta dos tribunais. Abaixo, um comparativo entre o sistema do TJSP, que não sofre interferência pelo volume de acessos, e do TJBA, que apresenta maior tempo de resposta devido à quantidade de acessos:
Tempo médio x quantidade de acessos ao sistema do TJSP. Fonte: Whom
Tempo médio x quantidade de acessos ao sistema do TJBA. Fonte: Whom
Para evitar o excesso de acessos aos seus sistemas, o tribunal pode causar uma lentidão proposital para certos usuários com base na OAB. Em casos mais extremos, pode chegar a bloquear a OAB do advogado e o acesso do escritório. Assim, para voltar a acessar o sistema, o profissional precisa entrar em contato com o tribunal ou, dependendo do caso, entrar com um processo administrativo. Nos dois casos, o tribunal alega que o acesso massivo vai contra sua política de acessos. Assim, ao usar robôs jurídicos, seu escritório pode estar ganhando tempo e produtividade às custas da disponibilidade de acesso aos tribunais. Dessa forma, você corre o risco de ter o acesso de seu escritório aos sistemas dos tribunais bloqueado e não conseguir atender seus clientes da maneira devida.
Estabelecer a harmonia ao acesso é fundamental. Por meio da abordagem inteligente do software de compartilhamento de certificados digitais, é possível permitir a utilização das credenciais dos clientes apenas durante a noite. Essa é uma forma de estimular a redução de interações com os tribunais e otimizar a troca de informações, com o mínimo de recursos empregados. Essas medidas são fundamentais para garantir um ambiente equilibrado e eficiente para a interação entre os atores humanos e os agentes automatizados no cenário jurídico.
Em um mundo no qual a transformação digital avança a passos largos, nós desempenhamos um papel fundamental para moldar o futuro do acesso à justiça. A implantação de soluções tecnológicas que promovam segurança, eficiência e equidade é um desafio e uma responsabilidade que não podemos subestimar. Afinal, a última coisa que queremos é que os nossos escritórios sejam bloqueados por prejudicar os demais no acesso à justiça.
Rhuam Sena, Mestre em Inteligência Artificial pela UFRGS, Gerente de projetos digitais na DOC9, Criador do Whom (by Doc9) e Professor de pós-graduação em ciência de dados no SENAI/RS.