A cibersegurança no esporte tornou-se uma necessidade inegável em um ambiente onde a digitalização desempenha um papel central. Atualmente, tecnologias de monitoramento e análise de desempenho são parte integrante da preparação e gestão de atletas de elite.
Dispositivos como wearables, sensores biométricos, sistemas de GPS e plataformas de análise de dados fornecem informações detalhadas sobre a condição física, o desempenho tático e a saúde dos jogadores. Contudo, essa digitalização massiva de dados traz consigo novos desafios e vulnerabilidades, tornando o setor esportivo um alvo atraente para cibercriminosos.
A coleta e o armazenamento de dados sensíveis dos atletas não se limitam a informações básicas, abrangendo registros de saúde, desempenho físico e mental, dados de recuperação de lesões, estratégias táticas e planos de jogo. Esses dados, altamente valiosos, são também extremamente vulneráveis, pois podem ser acessados indevidamente por hackers em busca de ganhos financeiros, manipulação de resultados ou mesmo para chantagear atletas e clubes.
O mundo esportivo já foi palco de diversos ciberataques, não apenas em grandes eventos como os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo, mas também em clubes e centros de treinamento, demonstrando que as ameaças são generalizadas. A proteção de dados precisa, portanto, ser uma prioridade estratégica de qualquer organização esportiva, indo além de uma simples medida preventiva.
Casos recentes em clubes europeus ilustram a seriedade da questão e a urgência de medidas mais rigorosas de cibersegurança. Em 2020, o Manchester United foi alvo de um sofisticado ataque cibernético que afetou suas operações digitais. Embora o clube não tenha confirmado o vazamento de dados de atletas, o incidente expôs falhas significativas na infraestrutura de segurança, forçando medidas de contenção para evitar maiores danos. No mesmo ano, o Benfica, em Portugal, sofreu um ataque que resultou no vazamento de e-mails internos e informações estratégicas, incluindo dados sobre transferências de jogadores e detalhes táticos. Essa violação demonstrou o risco não apenas de exposição de dados pessoais, mas também de comprometimento do planejamento e desempenho do clube.
Outro exemplo emblemático foi o da Lazio, na Itália, que em 2018 teve uma transação de 2 milhões de euros desviada por hackers durante a contratação de um jogador. Os criminosos conseguiram redirecionar o pagamento para uma conta fraudulenta, evidenciando que as operações financeiras de clubes de futebol também estão sujeitas a riscos digitais. Da mesma forma, o Paris Saint-Germain, em 2018, teve informações confidenciais de seus jogadores vazadas, incluindo históricos médicos e dados sobre lesões. Esse caso mostrou que até mesmo os dados mais protegidos, como os médicos, estão vulneráveis a ataques cibernéticos, levantando preocupações sobre o uso indevido dessas informações no mercado de transferências e no planejamento de jogos.
A proteção de dados no esporte é regida por legislações como a LGPD no Brasil e a GDPR, na Europa, que estabelecem diretrizes claras para o tratamento de informações pessoais, incluindo as de atletas. Entretanto, a aplicação dessas leis no ambiente esportivo ainda enfrenta desafios complexos, devido ao volume e à diversidade de dados envolvidos.
Para enfrentar essas ameaças de forma eficaz, é necessário um esforço coordenado que envolva tecnologia avançada, governança de dados sólida e uma cultura organizacional voltada à segurança digital. Isso inclui o uso de ferramentas de inteligência artificial para detectar anomalias, a implementação de autenticação multifatorial para o acesso a informações sensíveis e o treinamento contínuo de atletas e funcionários para identificar comportamentos suspeitos e potenciais ameaças.
A cibersegurança no esporte não é apenas uma questão de proteção técnica, mas uma necessidade estratégica e ética. Em um cenário cada vez mais digitalizado, os dados dos atletas são tão valiosos quanto suas performances em campo. Proteger essas informações é essencial para garantir não apenas a privacidade dos jogadores, mas também a confiança, a integridade e a transparência no esporte.
Investir em cibersegurança é, portanto, investir no futuro do esporte, assegurando que a digitalização promova avanços sem comprometer a segurança dos dados. A verdadeira vitória do esporte na era digital não será apenas medida em conquistas no campo, mas também na capacidade de se adaptar e se proteger de ameaças cibernéticas que, embora invisíveis, podem ter consequências devastadoras. Enquanto a tecnologia melhora o desempenho no campo, ela também deve ser usada para proteger dados sensíveis, garantindo que a transformação digital seja aliada do esporte em vez de uma vulnerabilidade.
A capacidade do mercado esportivo de responder a essa demanda será fundamental para assegurar um ambiente mais seguro, ético e inovador. Para alcançar esse objetivo, o setor esportivo precisa adotar uma abordagem abrangente e proativa de privacidade, proteção de dados e cibersegurança, tratando-a como um pilar essencial para o sucesso e a sustentabilidade a longo prazo.
A necessidade de adequação profissional à proteção de dados e cibersegurança no esporte vai muito além de uma simples atualização tecnológica; é uma exigência legal e estratégica para o futuro das organizações esportivas.
A conformidade com regulamentações como a LGPD no Brasil e GDPR na Europa, não pode ser encarada de forma superficial, especialmente considerando a quantidade de dados sensíveis em jogo. Para atender a esses requisitos e proteger de maneira eficaz as informações de atletas e clubes, é essencial contar com uma abordagem integrada e altamente profissionalizada.
O primeiro passo é a contratação de consultores especializados em cibersegurança, privacidade e proteção de dados, capazes de realizar uma análise minuciosa das vulnerabilidades existentes e propor soluções robustas para mitigar riscos.
Além disso, é fundamental investir no treinamento contínuo de todos os membros das equipes esportivas, desde os gestores e técnicos até os próprios atletas, para que estejam aptos a identificar e responder rapidamente a ameaças cibernéticas.
Outro elemento indispensável é a contratação de um seguro cibernético, que oferece uma camada adicional de proteção financeira em caso de ataques bem-sucedidos ou vazamento de informações confidenciais. Esse seguro pode cobrir custos relacionados a recuperação de dados, reparos no sistema e até indenizações por danos decorrentes de violações de privacidade.
Portanto, a proteção de dados e a cibersegurança no esporte precisam ser abordadas como uma responsabilidade coletiva, que demanda conhecimento especializado, prevenção contínua e uma estratégia de resposta rápida e eficaz. Investir nesses aspectos é garantir não apenas a conformidade legal, mas também a confiança, a ética e a integridade no ambiente esportivo, assegurando um futuro mais seguro e transparente para atletas, clubes e competições.
Walter Calza Neto, DPO do Corinthians.