Riscos cibernéticos na desglobalização: o novo paradigma digital

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Vivemos em um momento de crescente fragmentação das relações comerciais globais, impulsionada por tensões geopolíticas. As disputas comerciais e a busca por maior autonomia tecnológica entre as nações estão moldando um cenário de desglobalização.

Essa transformação não apenas impõe desafios econômicos, mas também redefine o panorama dos riscos cibernéticos, exigindo estratégias inovadoras e adaptadas às particularidades regionais.

A desglobalização, intensificada pelas disputas comerciais entre EUA e China, tem promovido o protecionismo digital, impactando diretamente o fluxo de informações transnacionais. Como reflexo, observamos uma fragmentação tecnológica: governos estão implementando regulações que incentivam a produção local e restringem a importação de tecnologias estrangeiras. Exemplos significativos incluem as sanções à Kaspersky, Huawei e, mais recentemente, ao TikTok.

Esse movimento tem fomentado o surgimento de ecossistemas regionais, como datacenters locais e plataformas digitais customizadas para atender às especificidades de cada mercado. Contudo, essa segmentação da infraestrutura também expande a superfície de ataque digital, introduzindo novos vetores de ameaça e aumentando os riscos de espionagem cibernética patrocinada por estados.

Neste cenário, é fundamental compreender como a desglobalização está redesenhando o panorama dos riscos cibernéticos. A maior dependência de fornecedores locais pode introduzir novos pontos de vulnerabilidade, enquanto a reconfiguração das cadeias globais de produção eleva o potencial de comprometimento em toda a rede. Paralelamente, a regionalização da infraestrutura digital impõe às empresas a necessidade de ajustar suas estratégias às nuances específicas de cada país ou bloco econômico.

Esses desafios tornam-se ainda mais complexos diante do avanço da espionagem digital, que direciona esforços para setores estratégicos como tecnologia, energia e telecomunicações, intensificando a disputa global pela supremacia tecnológica. Além disso, cresce o risco de ataques cibernéticos direcionados a infraestruturas críticas, ampliando a pressão sobre governos e empresas para fortalecerem sua resiliência.

Para enfrentar esses desafios, as empresas devem adotar uma abordagem regionalizada e estratégica para a cibersegurança. Isso inclui a elaboração de planos alinhados às legislações locais, bem como a formação de parcerias com provedores regionais especializados em monitoramento e resposta a incidentes. O fortalecimento da resiliência na cadeia de suprimentos é igualmente importante, envolvendo auditorias regulares de fornecedores, parceiros estratégicos e a incorporação de requisitos rigorosos de segurança em contratos.

O compliance também surge como um pilar imprescindível nesse cenário. Muitos países estão implementando e aprimorando suas Políticas Nacionais de Cibersegurança, como é o caso do Brasil, que recentemente publicou sua política e instituiu uma agência reguladora dedicada. Empresas que não estiverem em conformidade com as regulamentações locais ou internacionais correm o risco de enfrentar penalidades financeiras significativas e danos irreparáveis à reputação. Monitorar constantemente as mudanças regulatórias e investir em programas robustos de conformidade são passos essenciais para assegurar tanto a segurança quanto a continuidade operacional.

Outro aspecto vital é o monitoramento de ameaças geopolíticas. A análise contínua de tendências regionais de risco e seus impactos nos negócios permite a preparação de respostas ágeis e eficazes. Nesse contexto, equipes de resposta rápida tornam-se indispensáveis para mitigar ataques localizados que possam comprometer operações críticas, especialmente diante da ampliação da superfície de ataque provocada por cadeias de produção mais descentralizadas.

Uma cultura organizacional orientada para a segurança é essencial. Promover treinamentos regulares para colaboradores, focados em riscos emergentes e práticas cibernéticas eficazes, é um dos principais fatores para reduzir vulnerabilidades internas. Paralelamente, a comunicação interna deve reforçar a segurança digital como uma responsabilidade compartilhada por toda a organização.

Apesar dos desafios impostos pela desglobalização, surgem também oportunidades estratégicas. Empresas que investem em soluções personalizadas e desenvolvem alianças regionais podem não apenas mitigar riscos, mas também consolidar uma posição diferenciada no mercado. A construção de um ecossistema de cibersegurança resiliente, alinhado às dinâmicas globais em transformação, está se tornando um diferencial competitivo indispensável.

No contexto da desglobalização, as organizações precisam reavaliar suas estratégias para proteger seus ativos digitais e garantir a continuidade dos negócios. Isso exige não apenas a implementação de medidas eficazes, mas também a comunicação clara e consistente dos riscos e planos de mitigação para o board e demais stakeholders, independentemente de sua localização.

Umberto Rosti, CEO Brasil da Stefanini Cyber.

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