O Banco Central do Brasil já está colocando em prática algumas ações para o potencial desenvolvimento de uma moeda digital brasileira, o Real Digital. Para isso, a instituição já emitiu uma série de diretrizes que prevê a ênfase na possibilidade de desenvolvimento de modelos inovadores a partir de evoluções tecnológicas, uso em pagamentos de varejo, capacidade para realizar operações online e offline e garantia da segurança jurídica nas operações. Além disso, já está sendo avaliada a viabilidade tecnológica desse processo pelo Laboratório de Inovações Financeiras e Tecnológicas, em parceria com a Federação Nacional de Associação dos Servidores do Banco Central (Fenasbac).
Nesse caso, o Real Digital é uma Moeda Digital de Bancos Centrais (CBDC, sigla derivada do inglês, Central Bank Digital Currency), uma versão digital de uma moeda fiduciária. No Brasil, o Banco Central define-a como uma representação da moeda emitida pela autoridade monetária nacional (o Real Digital) no contexto de um ativo. O benefício da emissão desta é a eficiência nos meios de pagamento, por meio da digitalização dos processos, de forma a complementar a atuação do PIX e integrando as finanças decentralizadas. Já a tecnologia utilizada depende das preferências de cada país e dos respectivos bancos centrais. Em alguns casos, contam com a tecnologia de registro distribuída que é um banco de dados capaz de armazenar cópias de registros financeiros.
Além disso, o Banco Central entende que o caso de uso para o CBDC seria um sistema digital de transferências de reservas garantido pelo Real Digital, por meio do qual as instituições financeiras teriam autorização para emitir stablecoins (moedas com baixa volatilidade) sob depósitos.
Vale lembrar que a China é um dos países líderes no desenvolvimento de moeda digital. Lá, o yuan digital é um tipo de moeda digital piloto. Ela tem sido utilizada nas principais cidades chinesas e há uma expectativa de que o país se torne um dos primeiros a lançar oficialmente esse tipo de dinheiro virtual. Estima-se que 260 milhões de pessoas abriram carteiras eletrônicas para o yuan digital da China até o momento, promovendo o equivalente a US$ 13,8 bilhões em transações até o final de janeiro deste ano. Outros pioneiros da CBDC são os bancos da Inglaterra, da Suécia e do Canadá. Já a França lançou este ano um dos maiores testes da União Europeia até o momento. Outras nações europeias estão na mesma linha, inclusive a Itália e a Alemanha.
Os CBDCs, dependendo das geografias, apresentam a oportunidade de oferecer benefícios significativos para indivíduos e empresas. O dinheiro programável traz uma ampla gama de novos casos de uso, tais como restrições de gastos, gatilhos e limites. Benefícios potenciais para empresas incluem o uso contratos inteligentes e pagamentos máquina para máquina. O uso de canais e a infraestrutura de distribuição digital disponibilizam novos níveis de acesso global às moedas digitais dos Bancos Centrais e aos serviços de pagamento.
Em função das capacidades transfronteiriças, a cooperação entre nações e reguladores sobre o uso da moeda digital tende a ser desafiadora e demandará esforços dos países envolvidos. Conforme destacado em um relatório do Comitê de Pagamentos e Infraestruturas de Mercado, do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, embora nenhuma jurisdição tenha lançado uma CBDC, elas têm o evidente potencial de melhorar a eficiência do pagamento transfronteiriço, desde que os países trabalhem em conjunto.
Por fim, desafios à parte, o modelo previsto pelo Banco Central brasileiro demandará esforços tanto do regulador quanto dos entes envolvidos para uma implementação eficaz. O que percebemos é que a agenda regulatória está impulsionando a disrupção no mercado com a implementação do CDBC no contexto brasileiro, considerando os modelos de negócio que serão gerados no ecossistema financeiro.
Gabrielle Hernandes, sócia-diretora da KPMG e Thiago Rolli, sócio da KPMG.