Você já ouviu falar sobre a expressão "Boring AI"? Trata-se de um termo que descreve o uso da Inteligência Artificial não para criar algo novo ou transformador, mas sim para acelerar o que já fazemos, buscando um ganho significativo na produtividade e eficiência.
Sem dúvida, várias empresas têm aproveitado essa estratégia. Um exemplo notável é o Mercado Livre, que se destacou na carta anual de Satya Nadella, presidente da Microsoft, como um exemplo para a América Latina. Na carta, ele ressalta como a empresa conseguiu reduzir em 50% o tempo dedicado por seus programadores à escrita de código, graças ao uso do Github Copilot, um software que gera automaticamente sugestões de código.
Além da Microsoft, uma das principais investidoras da OpenAI, a criadora do ChatGPT, outras gigantes da indústria de tecnologia, como Meta, Google e Amazon, desempenham papéis de grande relevância nesse avanço. Elas contribuem com soluções que abrangem desde desafios individuais até questões corporativas mais amplas.
Essas empresas reconheceram a oportunidade de elevar a produtividade de seus clientes, fornecendo produtos que fazem uso de uma variedade de tecnologias de IA em diversas áreas, e esse esforço tem obtido sucesso, com perspectivas de continuidade promissoras.
No entanto, grandes empresas, muitas das que atualmente concentram atenção nesses produtos, estão tão focadas na busca pela hiperprodutividade que podem acabar mantendo-se distraídas por um bom tempo na "Boring AI".
Em uma perspectiva de curto prazo, os benefícios são notáveis e já apresentam resultados concretos. Mas muitas empresas correm o risco de perder o melhor da IA, iludindo-se com a ideia de que estão aproveitando todo o seu potencial ao fazer mais em menos tempo e com menos pessoas. É preciso entender que os ganhos com a hiperprodutividade é mais sobre não ficar para trás do que sobre abrir novos caminhos e disparar na frente.
Isso significa que ao se distraírem com essa abordagem, elas podem perder oportunidades significativas e criar espaço para novos concorrentes surgirem ao longo de sua jornada com IA.
No passado, por exemplo, a Kodak teve em suas mãos toda a tecnologia necessária para criar um novo mercado de fotografia digital, mas estava tão distraída em utilizar essa tecnologia para melhorar o que já tinha, suas máquinas analógicas, que perdeu o timing e viu concorrentes surgirem, criarem e liderarem um novo mercado digital.
A hiperprodutividade não será um diferencial competitivo
Felizmente algumas empresas estão indo além e rodando experimentos inovadores em busca do potencial transformador da IA, e é aqui que pode estar o diferencial para o longo prazo. Veja por exemplo os casos da Nike, que tem utilizado IA para transformar a forma com que o design de seus tênis é feita, ou ainda a John Deere que tem se desafiado a ressignificar o papel dos seus tratores a partir da IA.
Nesse aspecto, as novas ferramentas podem preencher lacunas que vão além das capacidades cognitivas humanas, abrindo portas para a exploração de possibilidades inexploradas. Portanto, o desafio reside em não apenas automatizar tarefas existentes, mas em identificar como a IA pode potencializar a criatividade e viabilizar o que transcende as habilidades puramente humanas. Um desafio que exige ousadia e apetite por exploração.
Quando discutimos o aumento da produtividade e eficiência, é inevitável que as pessoas reajam pensando que isso resultará em perda de empregos, e, de fato, esse é um risco se os investimentos de IA forem unicamente nessa direção. Por outro lado, quando abordamos IA pensando na transformação do trabalho e explorando como verdadeira oportunidade de inovação, as pessoas começam a enxergar novas oportunidades para se adaptar e encontrar novos caminhos, e aqui nasce o potencial para criação e não eliminação de empregos.
Conforme indicado por um recente relatório sobre o futuro do trabalho elaborado pelo World Economic Forum, espera-se que, nos próximos cinco anos, até um quarto das funções laborais passem por mudanças significativas, o que corresponde a cerca de 23% dos empregos.
As projeções revelam que, de acordo com 803 empresas participantes do estudo, estimam-se a criação de 69 milhões de novas vagas de emprego, porém, também a eliminação de 83 milhões de empregos, resultando em uma redução
líquida de 14 milhões de postos de trabalho, o equivalente a 2% da força de trabalho atual.
Transformação das estruturas nas organizações
Um outro aspecto importante a se destacar é sobre o impacto que a crescente integração da IA causará na rotina de trabalho e, consequentemente, na estrutura organizacional das empresas. Por exemplo, na última década vimos muitas empresas se estruturarem em volta de squads (times ágeis), organizarem o trabalho com backlogs (lista ordenada de entregas) e trabalharem em sprints (ciclos curtos de entrega).
Essa estratégia foi primariamente moldada para promover a integração do trabalho das pessoas dentro de times e acelerar o feedback humano, e à medida que a IA desempenha um papel cada vez mais significativo no cotidiano dessas pessoas torna-se essencial desafiar essa estrutura e avaliar alternativas plausíveis. Seria ingênuo acreditar que é possível usufruir de todo o potencial da IA organizando pessoas e seus trabalhos da mesma forma que fazíamos no início do século, quando IA ainda não era uma realidade.
O ponto crucial a ser enfatizado é que para ir além da 'Boring AI' as empresas não deveriam resistir à necessidade de reformular suas estruturas e estratégias diante dessa iminente transformação, mas sim provocá-las. Em vez de aderir a uma mentalidade de apenas acelerar "mais do mesmo", é essencial que elas busquem ativamente formas de criar algo verdadeiramente novo e transformador através da IA, garantindo, assim, sua relevância e protagonismo nesse novo e imprevisível contexto de negócios.
Alexandre Magno, consultor independente especializado em auxiliar empresas que enfrentam desafios substanciais de transformação.