A Futurecom 2010 contou nesta quarta-feira, 27, com um debate que revelou o quanto o tema "neutralidade" de redes é sensível para o setor e gera múltiplas interpretações entre empresas e governo. À primeira vista, nenhuma empresa posiciona-se contra o conceito, considerado um "princípio básico" do setor, conforme resumiu Geraldo Araújo, diretor de rede da Accenture, Mas, no decorrer do debate, os executivos aos poucos foram apresentando uma visão bastante peculiar do que entendem ser "neutralidade de rede". E algumas delas parecem ser completamente opostas ao entendimento geral do conceito.
Quem melhor resumiu a visão comungada pela maioria dos participantes foi o vice-presidente do UMTS Fórum no Brasil, Mário Baumgarten. O executivo disse que o conceito deve ser fracionado em duas linhas. Uma asseguraria o "acesso aberto", como ele classificou. Seria uma espécie de princípio de que "a rede atende a todo mundo". A segunda linha é a da "gerência de tráfego".
Mesmo sendo frontalmente divergente do conceito geral de "neutralidade", as teles entendem que um certo nível de gerenciamento do tráfego não fere o princípio da rede neutra e, inclusive, traria benefícios para os usuários ao ampliar a qualidade da oferta do serviço. Segundo Baumgarten, a garantia de que essas duas abordagens não entrariam em choque – garantia de um acesso aberto, mas controlado – seria a "transparência", promovida por meio do estabelecimento de regras regulatórias, que seriam amplamente divulgadas à sociedade.
Conceito
Baumgarten chegou a sugerir "evitar esse termo 'neutralidade'", por considerá-lo "muito forte". Outros participantes, como o diretor de assuntos corporativos da Claro, Christian Wickert, compartilharam a visão de que promover um controle de tráfego não rivaliza com o conceito de "neutralidade", desde que esse gerenciamento não tenha como propósito práticas anticoncorrenciais. "O Brasil não tem risco de uso dessa prática como algo anticompetitivo", assegurou o diretor da Claro. "O controle que estamos falando é uma prática olhando o tráfego da rede. É uma gerência necessária, que toda empresa deve ter", argumentou.
Segundo Wickert, a execução dessa gerência não significaria seleção de velocidade e acesso a partir de "análise de conteúdo ou privilégio a algum fornecedor". O executivo, no entanto, não esclareceu qual o método seria usado, então, para promover esse gerenciamento.
Remuneração
O diretor da Accenture, Geraldo Araújo, não aderiu plenamente à filosofia de flexibilizar o conceito de neutralidade, mas mostrou preocupação sobre a origem dos recursos para garantir a expansão das redes caso o modelo de negócios atual continue. "Neutralidade é um princípio básico, mas as empresas precisam se sentir motivadas a continuar esses investimentos pesados na rede. É preciso remunerar o capital", alertou.
A fornecedora de equipamentos Cisco também tomou uma posição mediana na polêmica. O diretor de service providers, Anderson André, repisou que a rede tem que ser "aberta, inovadora e transparente", mas que a saída para equilibrar as finanças dos operadores de rede nesses amplos projetos de expansão ainda não está definida. A sugestão do executivo é que seja feita uma dissociação de categorias de clientes: quem quiser mais velocidade ou trafegar na web sem congestionamentos, pagaria mais para ter esse fluxo garantido.
Regulação
Uma das grandes preocupações das empresas é com relação à postura da Anatel em meio a este dilema. Executivos como o diretor de planejamento estratégico da Vivo, Daniel Cardoso, pedem que a agência só atue ex post, ou seja, analisando casos concretos, sem regulação prévia. Para o gerente-geral de comunicações pessoais terrestres da Anatel, Nelson Takayanagi, há momentos em que uma ação contundente da autoridade regulatória não pode ser evitada.
É o caso, por exemplo, de aplicativos associados à telemedicina. Essa linha de aplicação das telecomunicações foi citada por executivos como um exemplo potencial onde poderia ser cobrado mais do cliente para a garantia inequívoca de velocidade e qualidade da conexão. Takayanagi reagiu duramente à proposta hipotética. "Eu acho que pobre também tem ataque cardíaco. Por isso, se for para oferecer esse serviço amplamente, tem que existir uma regulamentação sim", afirmou o gerente.
Takayanagi lembrou que a regulação do tema "neutralidade" faz parte do rol de ações de médio prazo previsto no Plano Geral de Atualização da Regulamentação (PGR). Assim, a agência teria mais três anos (até 2013) para concluir seus trabalhos sobre o assunto. De qualquer forma, o gerente informou que a equipe da Anatel já vem estudando o caso e, inclusive, deve concluir neste ano um estudo sobre as diferentes ações adotadas no mundo envolvendo a neutralidade das redes.
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