Um dos meus hobbies recentes tem sido estudar a arqueologia e a história das civilizações. Até então, confesso que analisava os impactos das novas tecnologias dentro de um contexto de ciclo econômico, limitada a uma vivência e experiência acumuladas da atual civilização.
Quando nos afastamos um pouco desta perspectiva e olhamos o mundo em que vivemos por uma ótica antropológica, que atravessa a evolução do ser humano e das civilizações, encontramos outras respostas para o papel da tecnologia e da inovação.
As causas da grande instabilidade político-econômica do mundo de hoje decorrem da desigualdade social, do distanciamento entre os países ricos e pobres e da concentração de polos de geração de riqueza em alguns redutos do globo.
Não podemos nos esquecer que a "tecnologia" tem um papel preponderante na geração da riqueza, dentro de um contexto histórico e geográfico. Foi assim com o fogo, com a escrita, com a roda, com a agricultura, com a máquina a vapor, com o computador e, agora, com as "tecnologias emergentes" – Internet das Coisas (IoT), Inteligência Artificial, Cloud, Blockchain, entre outras "invenções".
A velocidade com que as "tecnologias" antigas, como a escrita e a agricultura, foram propagadas e assimiladas nas diferentes geografias foi determinante para o desenvolvimento de povos de cada região. Segundo o professor Jared Diamond, autor do fantástico livro "Guns, germs and steel" ("Armas, germes e aço", em português), as tecnologias se propagam com maior facilidade na latitude (leste-oeste) do que na longitude (norte-sul). É perturbador constatar que a "escrita" se propagou com maior facilidade na região da Europa/Ásia, caminhando por milhares de quilômetros na mesma latitude e não se propagou da civilização Asteca, no México, para a Inca, no Peru, com distâncias mais reduzidas.
No mesmo livro, Jared descreve com propriedade as complexas razões históricas que explicam esse perturbador movimento de expansão do conhecimento. Somente uma visão original, desprendida e capaz de integrar diferentes áreas de estudo, que se debruçam sobre séculos e até milênios de história, poderia desenvolver essa concepção.
Quando analisamos o contexto histórico de evolução da humanidade, se torna mais fácil entender a razão pela qual é desafiador que a inovação parta especialmente de países que passaram por ocupações sangrentas ou por povos dominados pelo medo imposto pelo conquistador. Inverter este processo é praticamente recriar ou confrontar tradições e formações culturais impregnadas pela história secular de um país ou povo. Nós, latino-americanos, entendemos muito bem o que isto significa na busca por reverter o estágio de competitividade de nossas empresas, dos mercados locais e da economia dos países da região.
Trazendo para o mundo de hoje, em nosso país, a referência de sucesso está no campo de negócios, na música e no futebol, e muito longe do campo das ciências. É natural pensar que os melhores talentos vão para as áreas que oferecem maior prestígio na sociedade. Os que ainda perseguem o mundo das ciências, por não encontrarem um ambiente propício para o seu desenvolvimento, partem para polos de inovação em outros países.
O professor Jared também menciona a questão climática como uma das causas do distanciamento entre os patamares de desenvolvimento dos países. Não podemos deslocar os povos e países do clima tropical como se fossem meras peças de quebra-cabeças para as regiões de clima temperado. A questão é muito mais complexa. Por outro lado, temos o privilégio de as pessoas de nossa região terem dominado a mãe-natureza, mostrando avanços da agricultura no Cerrado e Nordeste do País, bem como a quase completa erradicação das doenças tropicais.
É neste contexto que as novas tecnologias que estão desafiando o mundo exercem um papel fundamental em nossa sociedade. Elas representam a oportunidade de inverter o paradigma da referência de sucesso na sociedade global, criando novos modelos de desenvolvimento para as ciências; desafiando a geografia pela promoção intensa da propagação tecnológica na longitude; questionando a história, pela inversão da ótica do "colonizador-colonizado"; e, sobretudo, pelo fortalecimento dos polos de inovação de regiões até então menos desenvolvidas economicamente, como é o caso da América Latina.
De acordo com a pesquisa global da Deloitte sobre os impactos da 4ª Revolução Industrial ("The Fourth Industrial Revolution is Here – Are You Ready?", ou "A Quarta Revolução Industrial já chegou – você está preparado?", em português), apresentada no último Fórum Econômico Mundial em Davos, os latino-americanos se sentem confiantes em enfrentar esse desafio. Alegra-me verificar que os brasileiros – dentro do universo entrevistado em nossa pesquisa – veem a tecnologia como algo positivo, transformador, com potencial de inclusão e diminuição das assimetrias sociais e econômicas entre povos e países.
Tenho grandes expectativas de que, daqui a 10.000 anos, os arqueólogos do futuro venham a encontrar em nossa região outros vestígios de "tecnologia" avançada, além da "escrita" na civilização Asteca e da "irrigação" na civilização Inca. Quem sabe, da América Latina, não sairão as "tecnologias" que resolverão alguns problemas históricos e globais e proporcionarão o conforto das sociedades antes dominadas e que atualmente sofrem com a falta de competitividade econômica, por entendermos profundamente os seus "casos de uso"?
Viabilizar essa oportunidade está sobretudo em nossas mãos, líderes de empresas nacionais e multinacionais, e também membros da academia e dos institutos de pesquisa, bem como as autoridades do governo presentes na região. O ímpeto das tecnologias disruptivas é poderoso o suficiente para se tornar o vetor de grande transformação desse retrospecto histórico, mas é preciso que direcionemos o curso dessa mudança.
Marcia Ogawa, sócia-líder de Tecnologia, Mídia e Telecomunicações da Deloitte.