Nos últimos anos, assistimos impressionados à ascensão da Inteligência Artificial (IA), transformando setores inteiros e redefinindo a maneira como trabalhamos, interagimos e tomamos decisões. Agora, um novo protagonista entra em cena com potencial para remodelar completamente o jogo: a computação quântica.
Essa convergência de tecnologias não é apenas uma promessa distante – é um avanço que pode acontecer muito mais rápido do que prevíamos. A Microsoft acaba de apresentar o Majorana 1, um processador quântico baseado em um núcleo topológico, que pode acelerar o desenvolvimento dessa tecnologia de décadas para poucos anos. Isso significa que estamos prestes a vivenciar um salto evolutivo na computação com impacto incalculável.
Por muito tempo, computadores quânticos foram vistos como experimentos de laboratório, interessantes do ponto de vista teórico, mas distantes da realidade. No entanto, a Microsoft trouxe uma mudança radical nesse cenário. Diferente dos processadores quânticos convencionais, que sofrem com instabilidade e alta taxa de erros, o Majorana 1 utiliza qubits topológicos, que prometem ser mais estáveis e escaláveis.
Ainda não estamos falando de um supercomputador quântico funcional, mas de um avanço arquitetural que pode permitir a construção de um processador com 1 milhão de qubits – um número que mudaria o paradigma da computação. Se essa tecnologia realmente se concretizar, problemas computacionais considerados insolúveis poderiam ser resolvidos em segundos
O estado atual da IA e da computação quântica
A IA já está revolucionando áreas como saúde, segurança e indústria, mas enfrenta limitações impostas pelo hardware clássico. Redes neurais profundas consomem quantidades gigantescas de energia e processamento, o que restringe sua escalabilidade. A computação quântica poderia resolver esses entraves, fornecendo uma capacidade de processamento sem precedentes.
No entanto, antes que esse futuro se concretize, ainda existem desafios gigantescos a superar:
- Estabilidade dos qubits: Os qubits atuais são altamente instáveis e extremamente sensíveis a interferências externas, tornando os cálculos suscetíveis a erros.
- Escalabilidade: Embora o Majorana 1 tenha introduzido um novo tipo de qubit mais confiável, ainda estamos longe de um chip com 1 milhão de qubits operacionais.
- Refrigeração extrema: Computadores quânticos precisam operar em temperaturas próximas do zero absoluto (-273°C), exigindo infraestrutura altamente especializada.
- Falta de aplicações práticas imediatas: Apesar de seu potencial, a computação quântica ainda não encontrou um uso massificado fora da pesquisa acadêmica e de laboratórios corporativos.
O Majorana 1, ao utilizar qubits topológicos, busca resolver parte desses desafios, principalmente no quesito estabilidade e escalabilidade. Se essa abordagem for bem-sucedida, pode abrir caminho para um supercomputador quântico funcional em escala industrial.
O impacto disruptivo na segurança cibernética e no contexto geopolítico
Se a IA já provoca intensos debates sobre ética e privacidade, a computação quântica adiciona uma nova camada de complexidade. Um supercomputador quântico terá a capacidade de quebrar os algoritmos de criptografia atuais em questão de segundos, colocando em risco a segurança de sistemas bancários, governamentais e de infraestrutura crítica. Mas quão distante está esse cenário? De acordo com o Gartner, em apenas quatro anos, os avanços na computação quântica tornarão a maioria dos métodos de criptografia assimétrica obsoletos e inseguros. Isso desencadeará uma corrida tecnológica sem precedentes, onde a nação ou organização que dominar essa tecnologia primeiro terá uma vantagem geopolítica incalculável.
Por que eu preciso me preocupar com isso agora? O problema é bem mais atual do que você imagina: cibercriminosos já estão empregando a estratégia "harvest now, decrypt later". Ou seja, já estão exfiltrando grandes volumes de dados criptografados, mesmo sem poder decifrá-los no momento, na expectativa de que, no futuro, com o avanço da computação quântica, consigam quebrar essas proteções e acessar informações sigilosas. Isso significa que dados considerados seguros hoje podem estar comprometidos a médio ou longo prazo.
Além disso, a IA assistida por computação quântica pode facilitar ataques altamente sofisticados, contornando defesas tradicionais e exigindo uma reformulação completa dos modelos de segurança Zero Trust, incluindo protocolos quânticos de autenticação e encriptação.
Para mitigar esses riscos, governos e empresas já estão investindo em criptografia pós-quântica, um campo emergente que busca desenvolver algoritmos seguros para a nova era computacional.
Estamos preparados para esse futuro?
A convergência entre IA e computação quântica não é mais ficção científica, mas uma realidade em construção. O Majorana 1 não é apenas um avanço técnico, mas um indicativo de que o futuro quântico está cada vez mais próximo.
O desafio, porém, não é apenas técnico. Estamos preparados para lidar com as implicações econômicas, sociais e políticas dessa transformação?
Rafael Oneda, diretor de Tecnologia da Approach.