Os casos de lavagem de dinheiro no Brasil têm crescido de forma preocupante. Em 2021, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) classificou o risco de lavagem de dinheiro no país como "médio", mas, em 2023, esse status foi elevado para "significante" pelo Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e Financiamento do Terrorismo. Ou seja, em apenas dois anos, a segurança do sistema financeiro sofreu um impacto considerável, aumentando os riscos das operações e transações realizadas no território nacional.
Diante desse cenário desafiador, torna-se essencial que as instituições financeiras estejam atentas às tendências regulatórias emergentes. O Banco Central do Brasil tem sinalizado um endurecimento das regras de compliance e combate à lavagem de dinheiro, o que indica que, em breve, a adoção de práticas como o KYC contínuo poderá se tornar obrigatória para um número maior de empresas do setor.
O conceito de Know Your Customer (KYC) está passando por uma transformação. Se antes o processo era estático, baseado apenas no cadastro inicial do cliente, hoje ele evolui para um monitoramento contínuo. Esse novo modelo permite que instituições financeiras acompanhem mudanças em tempo real, reduzindo riscos de fraudes e inadimplência e garantindo conformidade com as exigências do Banco Central.
O KYC era adotado essencialmente no onboarding do cliente, verificando seu histórico e perfil de risco, mas hoje sua função se expande para um acompanhamento constante, capaz de detectar qualquer indício de irregularidade ou alteração suspeita – como uma mudança repentina no status legal ou no domicílio, por exemplo. Essa nova abordagem não apenas melhora a gestão de risco, mas também protege as instituições contra impactos financeiros, reputacionais e de credibilidade. Casos de fraude podem levar anos para serem descobertos e, muitas vezes, a confiança do cliente nunca é totalmente recuperada.
Um exemplo concreto de como o KYC contínuo poderia prevenir fraudes é a Operação Rizoma (2018). A investigação revelou um esquema de corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo fundos de pensão como Postalis (Correios) e Serpos (Serpro). O grupo desviava milhões de reais para contas internacionais e, posteriormente, repatriava esses recursos de forma ilícita. Com a implementação de um sistema de KYC contínuo, as instituições financeiras teriam conseguido identificar grandes fluxos de saída de dinheiro para o exterior, especialmente quando direcionados a empresas de fachada ou paraísos fiscais. O monitoramento automatizado detectaria movimentações atípicas em tempo real, gerando alertas automáticos para análise antes que as transações fossem concluídas. Isso permitiria uma ação preventiva, bloqueando transações suspeitas e impedindo a continuidade do esquema fraudulento.
Além de prevenir fraudes, a implementação do KYC contínuo traz um grande diferencial competitivo. Com ele, as instituições podem otimizar a gestão de risco, reduzir custos operacionais no longo prazo e integrar tecnologias como Inteligência Artificial e Machine Learning para identificar padrões e fortalecer sua estratégia de compliance.
No Brasil, essa tendência se alinha com iniciativas como o Open Banking, que promove maior compartilhamento de dados e transparência no sistema financeiro. Empresas que se anteciparem a essas mudanças estarão mais preparadas para atender às novas exigências sem comprometer sua eficiência operacional.
Embora os benefícios sejam claros, a adoção do KYC contínuo ainda enfrenta desafios. A necessidade de sistemas e bancos de dados integrados é fundamental para proporcionar uma visão 360° do cliente e garantir maior clareza sobre seu perfil de risco. Além disso, é preciso estabelecer um modelo padronizado de coleta e manutenção de dados para assegurar a precisão das informações. Os custos operacionais iniciais podem ser elevados, e a complexidade regulatória exige total aderência à Lei nº 9.613/1998 e à Resolução nº 4.753/2019 do Banco Central.
Construir uma estrutura eficiente de KYC contínuo não é simples – demanda tecnologia de ponta, investimento e uma equipe altamente qualificada. Mas não ter essa estrutura pode custar muito mais caro. Empresas que negligenciarem essa transformação correm o risco não apenas de perdas financeiras, mas até mesmo de encerrar suas operações em um mercado cada vez mais competitivo e regulado.
Danilo Porto, sócio da QI Tech.