Uma das principais lutas da comunidade LGBTQIAP+ é pela inclusão no mercado de trabalho. Não é raro ouvir histórias de quem, em pleno século 21, ainda precisa ocultar a orientação sexual para conseguir uma vaga ou ser aceito em um ambiente corporativo. Apesar das estatísticas ainda demonstrarem esse cenário, como a pesquisa feita pela Great Place to Work com 14 mil pessoas na qual apenas 10% respondeu que se declara LGBTQIAP+, há iniciativas que caminham no sentido da evolução.
Felipe Birgman, 29 anos, é designer UX/UI na Mouts TI, empresa de tecnologia com atuação global e sede em Blumenau, Santa Catarina, e também é um homem gay. Ele revela que a orientação sexual, que não é um segredo, sequer foi uma questão para que ele fosse contratado. "Nunca fui questionado sobre a minha orientação sexual: nem antes, nem durante, isso nunca foi levado em consideração – o que eu acho bom, porque já mostra que não tem nenhum tipo de preconceito", analisa, destacando que a experiência na empresa, na qual ele já atua há três anos, "tem sido ótima".
O designer destaca que, para ele, o setor de tecnologia tende a ser mais aberto à diversidade que segmentos mais conservadores da economia, o que pode ser um facilitador para que pessoas da comunidade possam entrar no mercado de trabalho. Mesmo assim, Felipe acredita que ainda há um longo caminho pela frente e que são necessárias mais ações afirmativas para que, de fato, haja inclusão e diversidade no mercado de trabalho.
"Acredito que a sociedade ainda precisa evoluir muito em relação ao mercado de trabalho para pessoas da comunidade LGBTQIAP+, principalmente para pessoas trans, que têm pouca visibilidade para várias áreas. Acho que ainda precisa ser feito muita coisa, como mais vagas afirmativas para pessoas trans e da comunidade e programas de incentivo de empresas, tanto de tecnologia quanto de outras áreas, porque às vezes são pedidas inúmeras skills [habilidades], mas muitas dessas pessoas nunca tiveram oportunidades para se munir dessas skills. Então, além de vagas afirmativas, incluir programas de aprendizado, de ensino afirmativo para essas pessoas que gostariam de aprender", reflete.
Nova na área
Karina Zulauf Tironi, de 23 anos, também acredita que o setor da tecnologia pode ser mais inclusivo – e não apenas com as questões de orientação sexual. Ela, que se declara pansexual (indivíduo que sente atração por pessoas independente do gênero delas, de como se expressam para o mundo e de sua orientação sexual), trabalha há alguns meses na mesma empresa de Felipe e já sentiu segurança para falar sobre sua orientação para alguns colegas. "Sempre é difícil se sentir 100% confortável onde não sabemos a opinião das pessoas sobre a orientação sexual do outro. Somente recentemente compartilhei com algumas colegas, mas ainda me sentindo receosa de falar mais sobre isso. Não houve nenhuma situação, é mais sobre um receio de que falar sobre isso seja como colocar um elefante no cômodo", analisa.
A assistente de Recursos Humanos acredita que a evolução da diversidade no mercado de trabalho passa pela naturalização e pela ocupação dos espaços – o entendimento de que todos podem estar em qualquer lugar, sem exceção. "Em muitos locais existe essa sensação de que as pessoas LGBTQIAP+ precisam fazer um esforço para serem aceitas, que ainda não se tornou algo visto como natural e normal. Compensar, de alguma forma, como se fosse um defeito. Por exemplo, 'ele é gay, mas é um ótimo profissional'. Essa sensação de ter que compensar de alguma forma [precisa mudar]".
Sem restrições
A gestora de Recursos Humanos da Mouts TI, Gláucia Hahnemann de Souza, explica que a empresa não tem atualmente um programa específico de vagas afirmativas apenas para pessoas da comunidade LGBTQIAP+, porque todas as vagas são para todos os públicos. Ela também aponta uma evolução significativa do setor de tecnologia na busca por perfis diversos.
"Cada vez mais percebemos em diferentes áreas e clientes um maior foco na valorização da diferença. Percebo que a área de tecnologia, inclusive comparada à outros segmentos, visualiza o quanto podemos potencializar as equipes e o negócio tendo perfis diferentes. Vemos muitas quebras de paradigma, e com isto conseguimos ter maior inovação e desenvolvimento, pois visões de mundo diferentes têm muito a agregar", analisa.
Contudo, a especialista ressalta que ainda há muito espaço para avanços na questão de inclusão e diversidade:
"Muitas vezes, em termos de gestão e até mesmo nos times, temos um viés inconsciente, e se percebem receios ou dificuldades em romper com 'pré-conceitos' e 'pré-julgamentos' sem antes conhecer as pessoas, o trabalho. Este viés inconsciente, muitas vezes, está no nosso dia a dia e é oriundo de crenças, conceitos e práticas da nossa sociedade. Aqui na Mouts buscamos sempre ter respeito à pessoa acima de tudo e valorizamos a empatia. Por isto, entendemos que o trabalho das empresas deve ser contínuo em investir no desenvolvimento das pessoas, no autoconhecimento, na disseminação das informações, buscando sempre promover práticas que promovam a pluralidade, que respeitem as relações interpessoais. Sempre buscamos pautar nosso dia a dia com ética e comunicação franca e transparente. E buscamos sempre o respeito, à inclusão, às particularidades de cada pessoa, e para nós isso é bastante importante. Procuramos respeitar a individualidade e entender as especificidades, as necessidades de cada pessoa, então trabalhamos com muitas conversas, com alinhamentos individuais, porque entendemos que isso é muito importante ", conclui.