Os países emergentes devem aproveitar as oportunidades criadas no setor de software e usar a tecnologia como elemento facilitador para atender demandas em áreas como saúde, educação, governança e negócios. Isso é o que aponta o relatório Information Economy Report, elaborado pela Unctad, agência da Organização das Nações Unidas (ONU) para comércio e desenvolvimento. O documento traça um panorama sobre esses países, no qual o Brasil é citado como detentor de imenso potencial não aproveitado.
De acordo com o estudo, os gastos mundiais com software e serviços de informática somaram US$ 1,2 trilhão no ano passado, sendo 80% provenientes de países desenvolvidos — basicamente, Estados Unidos e Europa. A América Latina aparece bem atrás, respondendo por apenas 2% do mercado, realidade refletida também em outros indicadores.
O relatório mostra que a região latino-americana tem média de gastos com software e serviços equivalente a 11% do total do mercado de tecnologia da informação e comunicações (TIC). O Brasil, apesar de ligeiramente acima da média, com 12%, ainda fica atrás de vizinhos como a Bolívia e Venezuela, ambos com 14%. "A comparação do setor dentro do universo de TICs, que engloba também hardware e telecomunicações, mostra o quanto ainda dá para crescer. Na América do Norte, software e serviços correspondem a 43% do mercado de TICs", analisa o gerente do Centro de Estudos sobre Tecnologias da Informação e da Comunicações (Cetic.br), Alexandre Barbosa.
Segundo ele, esse dado também reflete a grande margem de lucro praticada no país. "Temos a quarta maior receita de telecomunicações do mundo, atrás somente dos Estados Unidos, Japão e China. Quando comparamos a inclusão digital brasileira com a desses países, vemos que estamos aquém. Por mais que a carga tributária sobre as teles seja alta no Brasil, isso não justifica os preços praticados, que emperram o desenvolvimento de outros segmentos associados à infraestrutura”, criticou Barbosa.
Obstáculos a vencer
O cenário traçado pela Unctad mostra o Brasil com uma política claramente voltada ao setor interno, com baixo percentual de exportação de software, e despesas elevadas quando comparadas com o Produto Interno Bruto. Há ainda o agravante da falta de mão de obra qualificada e de programas de fomento do governo, o que impede o desenvolvimento do setor. “Temos profissionais muito competentes e especializados, mas não em número suficiente para atender todas as empresas”, diz o conselheiro do CGI.br, Carlos Afonso. Este problema é tido como o segundo maior empecilho para o setor, mencionada por mais de 55% dos consultados pela Unctad.
No topo da lista de obstáculos está o acesso limitado a capital de risco, mencionadas por quase 70% dos consultados para o estudo. O país captou US$ 541 milhões de fundos de equity capital em 2011, para financiar apenas dez projetos. O valor é irrisório na comparação com a Índia, que destinou US$ 1,6 bilhão para o desenvolvimento de 83 startups, e com a China, que liberou US$ 916 milhões para 79 iniciativas.
A Unctad aponta os governos como os principais motivadores do desenvolvimento do setor, com responsabilidade de criar planos de incentivo e benefícios. “No Brasil, a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) trata empreendedores como se fosse um banco, não um investidor. O BNDES não é diferente. Sem apoio, não podemos exigir inovação, e infelizmente os recursos desses órgãos acabam sendo destinados a grandes empresas”, critica Afonso.
Setor público
O relatório da Unctad cita como positivas as iniciativas recentes do Brasil para estimular o setor de software, como o Plano TI Maior e o programa Ciência sem Fronteiras. O papel dos governos de países emergentes, contudo, deve ir além: fornecer infraestrutura acessível de TICs e criar condições para a formação mão de obra especializada. No centro das iniciativas, o órgão da ONU coloca o software livre, capaz de sustentar um ecossistema de serviços associados à customização para problemas dirigidos.
O executivo cita uma experiência acompanhada por ele no município de Maricá, no interior do Rio de Janeiro, no qual a Prefeitura contratou, por cerca de R$ 10 milhões, um serviço de adaptação de um software livre disponibilizado pelo governo federal para gerir os procedimentos internos da Prefeitura. “Não havia programadores ou PMEs disponíveis para realizar o serviço. O gasto foi muito mais elevado do que deveria ser”, explica.
Tanto ele como Barbosa mencionam o retrocesso do governo federal nessa área. “Ainda é muito difícil para as administrações municipais colocarem em prática o cenário ideal do software livre, por isso a adoção vem caindo”, finaliza Barbosa.