Os desafios da inovação aberta no ecossistema de Justiça

0

A inovação aberta representa um modelo promissor para transformar o ecossistema de Justiça no Brasil, oferecendo uma abordagem colaborativa para superar desafios históricos, tanto das atividades jurisdicionais quanto das áreas internas e administrativas dos Tribunais e Conselhos. Diferentemente da inovação convencional, em que o desenvolvimento de soluções ocorre internamente, ou mediante a aquisição de novas tecnologias e fábricas de software, a inovação aberta se apoia na colaboração com o mercado privado, startups, empresas e profissionais especializados, permitindo ao setor público explorar a cocriação de tecnologias emergentes de maneira mais ágil e flexível.

Esse modelo traz grandes oportunidades, mas também desafios significativos. No contexto do Judiciário, a cultura conservadora, a complexidade dos processos, a diversidade de demandas e a burocracia imposta pela legislação tornam fundamental uma abordagem estratégica para sua implementação.

Para superar esses entraves, é fundamental investir em modelos de licitação mais dinâmicos, em especial aproveitando as potencialidades da Contratação Pública de Solução Inovadora (CPSI), prevista na LC nº 182/2021 (Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador). Essa metodologia inovadora de licitação oferece uma forma mais ágil de testar soluções tecnologias na prática e, quando aprovada, integrá-las de maneira rápida ao ambiente do órgão ou entidade pública, por meio de contratação direta, sem nova licitação.

Relevante iniciativa de inovação aberta está sendo promovida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que criou o Projeto CPSI (Portaria n. 279/2024) destinado à realização de estudos para a contratação de empresas, startups e demais atores externos para desenvolver e testar soluções inovadoras que atendam aos desafios específicos do Poder Judiciário, por meio da Contratação Pública de Solução Inovadora (CPSI) prevista na LC nº 182/2021.

Um dos marcos do projeto foi a Consulta Pública realizada em 23/01/2025, que tive a oportunidade de participar juntamente com outras mais de 90 pessoas, para debater a minuta de desafio de inovação relacionado à Gestão de Atendimento aos Usuários do Jus.Br.

No entanto, a implementação desse modelo requer um esforço coordenado para superar barreiras culturais e burocráticas. As entidades públicas ainda enfrentam resistências internas em relação à adoção de práticas inovadoras, seja pela falta de familiaridade com as novas tecnologias ou pela dificuldade de adaptação de processos consolidados há décadas. A superação dessas barreiras passa pela capacitação contínua de gestores públicos e pela adoção de políticas que promovam a interoperabilidade entre sistemas, algo crucial para o sucesso das plataformas digitais no setor.

Outro ponto crítico é a necessidade de priorizar a experiência do usuário. Muitas das soluções no setor público pecam por não considerarem como reais as necessidades personalizadas dos cidadãos, advogados e servidores que utilizam os serviços diariamente. É indispensável que os protótipos desenvolvidos pelo mercado privado em colaboração com os tribunais contemplem um design intuitivo, acessível e inclusivo, com interfaces adaptáveis às mais diversas realidades, desde questões linguísticas até acessibilidade para pessoas com deficiência.

Além disso, a colaboração com o mercado precisa ser vista como um processo de construção conjunta, e não apenas como uma relação de consumo. A modalidade de inovação aberta só alcançará seu potencial máximo se os tribunais e gestores públicos estiverem buscando um diálogo ativo com empresas e startups, compartilhando seus desafios e construindo soluções alinhadas às suas especificidades.

A adoção de tecnologias como inteligência artificial generativa para melhorar a experiência do usuário e a escalabilidade de protótipos testados em ambientes controlados são passos na direção certa. Mas para que essas inovações sejam realmente transformadoras, é preciso que sejam acompanhados de um compromisso com a transparência e a redução da burocracia, garantindo que as soluções inovadoras atendam às demandas do público-alvo.

O ecossistema de Justiça brasileiro vive um momento decisivo para acelerar sua transformação digital, utilizando metodologias de inovação aberta como estratégia para aprimorar serviços e gerar valor real à sociedade. Para isso, é fundamental criar um ambiente que não só acolha, mas estimule a inovação, com processos de contratação mais ágeis e um foco claro na solução de problemas práticos.

Esse modelo pode desencadear uma verdadeira transformação no setor, mas seu sucesso depende de uma integração de diferentes atores e a construção de um ecossistema colaborativo e eficiente. Enfrentar esse desafio não apenas trará benefícios diretos, mas também posicionará o setor público como uma referência em eficiência e inovação.

Ademir Piccoli, advogado, ativista de inovação e CEO do J.Ex.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

This site is protected by reCAPTCHA and the Google Privacy Policy and Terms of Service apply.