Nos últimos anos, a ascensão da Inteligência Artificial (IA) transformou o campo da criatividade. De ferramentas que compõem músicas a softwares que criam designs complexos, a IA tem invadido territórios outrora exclusivos da mente humana. Surge, então, a pergunta: onde fica a criatividade humana quando máquinas se tornam nossas parceiras – ou competidoras?
A criatividade humana nasce da interação de emoções, experiências e intencionalidade. Já a IA, por mais impressionante que seja, emula processos criativos, mas carece de profundidade emocional e compreensão contextual. Embora produza conteúdo inovador, é o ser humano que dá sentido e propósito às suas criações.
No campo da música, por exemplo, softwares de IA compõem sinfonias, mas não captam as nuances de uma vivência humana transformada em melodia. Nesse contexto, as palavras de Manoel de Barros ressoam: "Tudo o que não invento é falso". A sensibilidade humana continua essencial para traduzir inspirações em arte carregada de significado.
Da mesma forma, um romance gerado por IA pode ter estrutura impecável, mas falta-lhe a alma que conecta escritor e leitor. Rubem Alves, em Ostra Feliz Não Faz Pérola, destacou que a criação nasce da inquietude, da dor que nos incomoda – algo que nenhum algoritmo pode replicar.
Entretanto, a relação com essas ferramentas exige cuidado. Ao delegar tarefas criativas à IA, corremos o risco de perder habilidades essenciais, como pensamento crítico e inovação. Como afirmou Paulo Freire em Pedagogia da Autonomia: "Ensinar exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo". A criatividade também precisa ser cultivada como forma de agir no mundo, e não apenas consumir o que a tecnologia oferece.
Estudos mostram que a percepção da IA varia: para alguns, ela é uma aliada; para outros, um desafio. Rebecca Marrone, da University of South Australia, aponta que essa dualidade reflete a necessidade de equilíbrio. Utilizar a IA como suporte criativo é produtivo, mas depender dela para processos profundos pode ser contraproducente.
Existem áreas onde a criatividade humana continua insubstituível, como na empatia e narrativa. Fernando Pessoa refletiu que a arte não é para agradar, mas para elevar. Narrativas que tocam o espírito humano dependem dessa capacidade. Também na resolução de problemas complexos, pois a inovação disruptiva surge da conexão entre ideias desconexas, algo que a IA ainda não faz. Outro exemplo seria a reflexão ética, pois julgamentos criativos frequentemente envolvem valores culturais que algoritmos não compreendem.
O potencial da IA está em ampliar a criatividade humana, não em substituí-la. Ferramentas como redes adversárias generativas (GANs) exploram espaços antes inacessíveis, permitindo que profissionais se concentrem em aspectos estratégicos e emocionais. Como disse Steve Jobs: "A tecnologia sozinha não é suficiente. É a tecnologia casada com as artes e as humanidades que nos traz os resultados que fazem nossos corações cantarem."
O uso ético da IA é fundamental para preservar a essência da criatividade humana. Concluir que a IA é apenas uma ameaça ignora seu potencial, mas romantizar a invulnerabilidade da criatividade humana também é um erro. Cabe a nós usarmos a tecnologia como um trampolim, não como um substituto.
Estamos utilizando a IA para liberar nosso potencial criativo ou para confiná-lo? Se a criatividade humana é uma chama, a IA deve ser o vento que a alimenta, e não a tempestade que a apaga.
Kevin Leyser, Ph.D. em Educação, coordenador dos cursos de Filosofia e de Ciência da Criatividade, ambos na UNIASSELVI, psicólogo, filósofo, teólogo e autor.