Pouco se discute sobre os contratos na área de Tecnologia da Informação (TI) B2B, bem como os efeitos gerados nos aspectos tributário, concorrencial, propriedade industrial, relações de trabalho, consumo, importação e exportação.
Isto se dá por falta de conhecimento multidisciplinar da maioria dos profissionais que elaboram os documentos, em função de normalmente trabalhem em cima de exemplos de documentos já concebidos por terceiros, deixando de lado as questões empresariais, organizacionais, estratégicas, contábeis, econômicas, sociais e humanas.
Para completar essa carência, são raros os que podem contar com profissionais para elaborar seus contratos, que entendem ou se interessem por tecnologia, e para acompanhar esse cenário a legislação vigente pouco contribui para regular esses contratos.
Como se sabe, os equipamentos tecnológicos são formados por hardware, firmware e por software.
O hardware corresponde à conjugação de placas de circuito eletrônico (Microprocessador, Motherboard, Hard Disk – HD, placas de vídeo, de som, etc.) que ao serem ligadas executam funções específicas ou conjuntas.
Já o firmware é um componente eletrônico em que são gravados informações do sistema operacional que geralmente não podem ser alterados senão por uma intervenção física ou softwares especializados.
Por sua vez, o software é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem codificada, contido em suporte físico de qualquer natureza, baseado em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados e pode ser alterado pelo usuário da tecnologia.
Dessas três frentes de negócios há várias empresas no mundo focadas na produção de hardware, firmware e outras em software, investindo milhões de dólares em pesquisas e desenvolvimento de novas tecnologias para facilitar o dia a dia das pessoas e das empresas, minimizarem os custos de produção, bem como levar diversão e entretenimento.
Neste ponto, pode-se associar os negócios de hardware e firmware às operações de venda de mercadorias, enquanto o software às operações de prestação de serviços, ou de cessão ou licença de direitos, contudo este assunto é muito mais complexo que este simples conceito.
Com relação aos negócios interempresariais gerados na venda de computadores, acessórios e equipamentos correlatos, inexiste grandes problemas de ordens contratuais, pois estão entre os tradicionais existentes, tais como de Compra e Venda, de Distribuição, de Intermediação, entre outros.
Porém, no que tange à prestação de serviços, e cessão ou licença de direitos, pode-se dizer que praticamente inexiste previsão dos direitos e obrigações entre os contratantes de todas as operações que envolvem tecnologia no Código Civil/2002, na Lei nº 9.609/98 (Lei de Software), e mesmo na Lei nº 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais).
A Lei de Software dedica de forma absolutamente precária apenas 3 artigos (9º, 10º e 11º), que tratam de licença de uso, comercialização, e de transferência de tecnologia, aos contratos interempresariais.
Já no aspecto fiscalizador em função da voracidade do Governo ávido por arrecadação – recentemente temos a previsibilidade da "bitributação do software" (saiba mais em irca.adv.br), houveram evoluções na definição dos tipos de serviços na área de tecnologia, entretanto, quando se fala a respeito de manutenção, depreciação do ativo intangível, entre outras questões, geram-se muitas controvérsias a respeito da classificação e contabilização.
Até o advento da Lei Complementar nº 116/2003, o Decreto-lei nº 406/68 previa no item 25, da Lista de Serviços apenas os serviços de análises, inclusive de sistemas, exames, pesquisas e informações, coleta e processamento de dados de qualquer natureza.
Hoje contamos com um mix variado de serviços, que podem descrever para o Fisco o serviço prestado pela empresa da TI e cada um desses serviços guarda diversas características próprias, que acabam sendo definidas pelo lado mais forte da relação contratual (às vezes o cliente, às vezes as empresas de TI).
Além disso, nem sempre são previstas todas as garantias necessárias para uma boa execução do contrato, sendo utilizados nas cláusulas até mesmo termos ou conceitos inadequados, o que acaba desaguando no Poder Judiciário para solução destes conflitos justamente pela falta de cuidado na elaboração do contrato.
Para complicar ainda mais as relações contratuais há 4 modalidades de contratação utilizadas pelas empresas: contrato personalizado, contratos de adesão, Request for Proposal (RFP) e licitações privadas.
No contrato personalizado normalmente as empresas se reúnem para elaborar um contrato expressando exatamente a operação com a cobertura dos riscos, obrigações e direitos dos contratantes.
Nos contratos de adesão uma empresa divulga seus termos num mercado pulverizado de consumidores e caso esses queiram adquirir um determinado produto ou serviço devem aderir sem ressalvas.
Em relação ao Request for Proposal (RFP) e licitações privadas, alteram-se as posições e o comprador passa a ditar as regras da contratação, a especificação das necessidades, bem como a forma de fornecimento e prestação de serviços e se o fornecedor não aceitar aquelas condições, ficam impedidos de participar daquela concorrência.
Não obstante a isto, a cada dia as empresas de tecnologia vêm criando serviços inovadores e diferenciados fugindo dos institutos jurídicos tradicionais, causando muitas vezes confusão dos operadores do direito por se tratarem de contratos atípicos.
Dentre eles, podemos citar os contratos de outsourcing, de middleware, de colocation, de alocação de profissionais, de utilização de conteúdo, de hospedagem, acordos de nível de serviço (SLA), de gestão de processos e de projetos de tecnologia (PMO), de cleaning, de armazenamento de dados, cloud computing, entre outros.
Além disso, é comum a proposição de contratos de tecnologia estrangeiros que em alguns casos afrontam as normas internas brasileiras, mas são mantidas pelas multinacionais em função das políticas internas, muito embora os departamentos jurídicos destas tenham a plena convicção de que a anulação será certa no Poder Judiciário.
Um erro muito comum é a elaboração de contratos apenas com a nomenclatura de prestação de serviços de informática, quando deveriam fazer especificar os serviços com o devido enquadramento tributário, além de regrar melhor as questões operacionais, de propriedade intelectual, as garantias, a forma de rescisão e as relações de trabalho existentes dentro da própria empresa de informática.
Diante disso, é certo que as empresas de tecnologia devem estar atentas à elaboração dos contratos, pois ele pode determinar o sucesso ou fracasso da empresa e mais, quando a crise contratual acontece e a disputa é levada para solução pelo Poder Judiciário este tem por pressuposto, que nas relações interempresariais B2B as partes sempre estiveram bem assessoradas juridicamente.
André Sussumu Iizuka, advogado e consultor, sócio na Iizuka Cenci Advogados, conta com mais de 22 anos de carreira. É especializado em Direito Tributário pela GVLaw – FGV/SP e em Direito Empresarial – COGEAE – PUC/SP. Co-autor do Livro "Planejamento Fiscal – Volume 2", é pesquisador do Núcleo de Estudos Fiscais pela FGV. Eleito Conselheiro da Associação Brasileira de Software – ABES, Diretor de Relações Governamentais pela ABComm e Mentor de startups no Clube de Negócios. Participou do Projeto do SPED, EFD e NF-e pelo Grupo de Instituições Financeiras em Brasília.