Cenário atual do mercado de Corporate Venture Capital no Brasil – como e por que as empresas estão investindo em startups

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O cenário de Corporate Venture Capital (CVC) no Brasil passou por transformações significativas nos últimos anos. Ao mesmo tempo que o setor se apoiou em tendências globais, houve um processo de adaptação para o contexto econômico particular do país. O que já foi uma arena cheia de entusiasmo corporativo e que resultou em uma corrida por investimentos em startups em variados estágios de evolução, está se transformando em um mercado mais maduro. As empresas tornaram-se mais seletivas, priorizando investimentos estratégicos com o objetivo de entregar impacto real nos negócios em detrimento de movimentos especulativos. Essa transformação é fruto de uma necessidade de um melhor alinhamento entre as iniciativas de inovação e os objetivos estratégicos das organizações, decorrente, inclusive, de um cenário de incertezas econômicas recentes.

Até o ano passado, o mercado de CVC no país prosperava, com inúmeras corporações ansiosas para explorar o vigor das startups. Empresas como Embraer, por meio de seu braço Embraer Ventures, e Petrobras, com investimentos focados em empresas de energia, lideraram o caminho ao mostrar como as indústrias tradicionais poderiam se beneficiar da agilidade e da mentalidade de vanguarda do ecossistema de startups. Esses investimentos não eram focados apenas em retornos financeiros, mas também nos movimentos estratégicos projetados para aproximar essas companhias dos avanços tecnológicos em seus respectivos setores.

No entanto, uma pesquisa recente feita em um esforço colaborativo pela Sling Hub e Alya Ventures, apoiada pela Ernst & Young e pela Associação Brasileira de Corporate Venture Capital (ABCVC), revela uma baixa significativa no mercado de CVC. Entre 2022 e 2023, os investimentos ligados ao CVC caíram 60%, um forte contraste com o rápido crescimento visto em anos anteriores. Esse declínio é menos uma indicação de interesse reduzido e mais um sinal de amadurecimento do mercado. As empresas brasileiras estão agora mais cautelosas, avaliando cuidadosamente os investimentos potenciais para garantir que estejam alinhados com os objetivos estratégicos de longo prazo. 

Os setores que atraem mais atenção dos CVCs também evoluíram. Embora as fintechs e healthtechs, por exemplo, permaneçam dominantes devido ao seu alto potencial de crescimento e escalabilidade, há uma mudança perceptível em direção aos setores que se alinham com os pontos fortes do Brasil. As agritechs, por exemplo, tornaram-se cada vez mais atraentes à medida que o país busca manter sua liderança nas exportações agrícolas enquanto enfrenta desafios relacionados às mudanças climáticas e gestão de recursos. Startups de energia, particularmente as focadas em recursos renováveis, também estão ganhando força, refletindo o compromisso do país em reduzir sua pegada de carbono e adotar tecnologias mais limpas.

Para muitas corporações brasileiras, as motivações por trás dos investimentos de CVC são claras. Em um mercado em rápida mudança, a capacidade de inovar e se adaptar é crucial para manter uma vantagem competitiva. O CVC permite que essas empresas acessem tecnologias de ponta, explorem novos modelos de negócios e promovam uma cultura de inovação sem ficarem presas aos sistemas e processos legados que, muitas vezes, dificultam os esforços internos de P&D. Essa abordagem estratégica para a inovação é exemplificada pela Braskem, que investiu pesadamente em startups focadas em sustentabilidade e soluções de economia circular, alinhando-se com seu objetivo de reduzir o impacto ambiental e liderar a indústria em práticas sustentáveis.

No entanto, o processo de investimento em startups por meio do CVC não é isento de desafios. Um dos obstáculos mais significativos enfrentados pelas empresas brasileiras é a integração de soluções das startups em suas operações existentes. As diferenças culturais entre o mundo acelerado e arriscado das startups e o ambiente corporativo mais cauteloso e orientado a processos podem desacelerar a implementação de novas tecnologias. Além disso, a volatilidade econômica no Brasil adiciona outra camada de complexidade, tornando os investimentos de longo prazo mais arriscados. Isso levou a uma abordagem mais seletiva, com as corporações buscando investimentos que não sejam apenas inovadores, mas também resilientes diante de crises.

À medida que o cenário de CVC no Brasil continua a evoluir, algumas boas práticas estão surgindo para orientar as empresas que buscam entrar nesse espaço. Uma das etapas mais críticas é alinhar as atividades de CVC com os objetivos estratégicos da corporação. Esse movimento garante que os investimentos não sejam apenas financeiramente viáveis, mas que também possam contribuir para as metas de longo prazo da empresa. Outra chave para investimentos bem-sucedidos é construir parcerias fortes com startups, que devem ser baseadas em confiança mútua e objetivos compartilhados, garantindo que ambas as partes se beneficiem do relacionamento. O Banco do Brasil, por exxemplo, colaborou com sucesso com startups, alavancando suas soluções inovadoras para aprimorar seus serviços bancários digitais. Essa parceria não apenas melhorou as ofertas de serviços do banco, mas também forneceu às startups uma plataforma para escalar suas tecnologias e atingir uma base de clientes mais ampla.

Olhando para o futuro, o CVC no Brasil provavelmente será moldado por um foco contínuo em investimentos estratégicos e na exploração de modelos alternativos de inovação. Um desses modelos que está ganhando popularidade é o Venture Clienting, em que as corporações deixam de ser investidoras e passam a trabalhar com startups em modelos similares ao de cliente-fornecedor. Essa abordagem permite a integração de soluções inovadoras diretamente em suas operações sem a necessidade de investimentos de capital, o que favorece a redução de riscos e beneficia as inovações da startup. O Venture Clienting é particularmente atraente no clima econômico atual, já que  demonstrar impacto comercial imediato é frequentemente mais crítico do que garantir retornos financeiros de longo prazo.

Concluindo, a mudança para o CVC estratégico e modelos alternativos como Venture Building ou Venture Clienting reflete uma tendência mais ampla no cenário global de inovação corporativa. Embora o rápido crescimento e a exuberância dos anos anteriores possam ter diminuído no mercado de CVC no Brasil, a necessidade de inovação continua forte nas empresas. As corporações estão se tornando mais estratégicas em sua abordagem ao Corporate Venture Capital, focando em investimentos que se alinham com seus objetivos estratégicos de longo prazo e explorando modelos alternativos que oferecem benefícios comerciais imediatos. Ao adotar essas estratégias, as empresas brasileiras podem continuar a impulsionar a inovação e manter sua vantagem competitiva em um mercado global cada vez mais complexo e dinâmico.

Thiago Iglesias, Head da Torq Ventures, área de inovação da Evertec + Sinqia.

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