Aprovado pela Câmara dos Deputados, na última terça-feira, 25, o texto do Projeto de Lei 2.126, que criou o marco civil da internet, já dá margem a interpretações diversas, em especial o artigo que garante a neutralidade de rede. Operadoras de telefonia, associações de consumidores e entidades da sociedade civil têm entendimentos diferentes sobre o princípio, segundo o qual todo o pacote de dados que trafega na internet deve ser tratado de forma igual, sem discriminação quanto ao conteúdo, origem, destino, serviço, terminal ou aplicativo.
Considerado durante os dois anos e meio de tramitação da matéria na Câmara como o principal opositor da matéria, o Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (SindiTelebrasil) divulgou nota, na terça à noite, declarando ter recebido de forma positiva a aprovação do projeto pela Câmara, na medida em que o texto assegura "que seja dada continuidade aos planos existentes e garante a liberdade de oferta de serviços diversificados". Segundo a nota, "preservando democraticamente a liberdade de escolha dos consumidores, fica preservada também a oferta de pacotes diferenciados, como os de acesso gratuito a redes sociais".
Porém, durante toda a tramitação da matéria na Câmara, o relator, deputado Alessandro Molon (PT-RJ), defendeu a preservação no texto do conceito de neutralidade, justamente para garantir que a internet não fosse "fatiada". Segundo Molon, com a neutralidade garantida, os provedores de internet não poderão oferecer pacotes de internet só com acesso a e-mail ou só com acesso a redes sociais, por exemplo. Entretanto, ainda conforme o relator, o texto garante que os provedores possam ofertar pacotes com velocidades diferentes.
O secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Marivaldo Pereira, reitera a interpretação do relator. "Uma das grandes vantagens da internet é podermos acessar qualquer conteúdo, fontes alternativas de informação — e isso só é possível por conta da neutralidade", salientou. Para ele, se houver restrição da neutralidade, haverá inibição do acesso a novas fontes de informação, prevalecendo apenas os sites e serviços de grandes corporações, prejudicando a democratização da comunicação.
O ministério é o autor da proposta inicial de marco civil enviada ao Congresso.
Fatiamento da internet
Na quarta-feira, 26, foi a vez da associação dos consumidores ProTeste divulgar nota sobre o marco civil, também com o entendimento semelhante ao do relator, de que, com a aprovação da proposta, "as operadoras terão de oferecer a conexão contratada independente do conteúdo acessado pelo internauta e não poderão vender pacotes restritos (preço fechado para acesso apenas a redes sociais ou serviços de e-mail)".
Para a coordenadora do Coletivo Intervozes, Bia Barbosa, o Sinditelebrasil tenta convencer a população de que tudo vai continuar como está. "Mas, na leitura da sociedade civil, o marco civil é claro nesse sentindo: vender plano de assinatura só com acesso a um aplicativo ou que dê gratuitamente acesso a determinado site ou aplicativo é quebra da neutralidade de rede; isso é fatiar a internet e impedir que o usuário acesse o conjunto da internet", afirmou. "A internet não pode se resumir ao Facebook, e não se pode criar usuários de internet diferenciados", complementou.
Brecha
Na visão do consultor legislativo Cláudio Nazareno, existe espaço, no texto da proposta, para interpretações diversas, inclusive para questionamentos judiciais, sobre a oferta ou não de pacotes com serviços diferenciados pelas empresas de telefonia. Isso porque a proposta prevê que possa haver discriminação do tráfego se essa decorrer de requisitos técnicos indispensáveis à prestação adequada dos serviços e aplicações ou para priorizar serviços de emergência. Para Nazareno, a brecha está justamente na abrangência do que possa ser "requisitos técnicos". O texto aprovado diz que essas exceções à neutralidade de rede serão regulamentadas pela Presidência da República.
Na opinião do consultor, porém, não necessariamente a oferta de pacotes diferenciados, com acesso somente a determinadas aplicações, é prejudicial ao consumidor, já que hoje muitas pessoas que não tinham acesso à internet têm hoje pelo menos acesso gratuito a redes sociais, por meio de ofertas das operadoras, principalmente no celular pré-pago.
A proposta agora será analisada pelo Senado Federal. Com informações da Agência Câmara.