Lei de crimes cibernéticos tem utilidade didática, mas não técnica, criticam especialistas

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A lei 12.737/12, que pune os crimes praticados pela internet, sancionada pela presidente Dilma Rousseff em dezembro do ano passado, entra em vigor daqui um mês. Apesar do consenso sobre sua necessidade, especialistas criticam enfaticamente a redação do texto e as punições propostas, que altera o Código Penal Brasileiro.

Conforme explica o advogado especializado em direito eletrônico Renato Opice Blum, nos casos mais graves, os delitos regulamentados pela legislação são apenas somatórios de outros já existentes. “O roubo de quantias em dinheiro é qualificado como roubo, independentemente do meio pelo qual ele foi praticado. Com a nova lei, haverá um adicional de até três anos de prisão caso o autor tenha invadido dispositivos eletrônicos, com a violação de sistemas de segurança, para realizá-lo”, explica. A diferença fica por conta de tentativas de fraudes eletrônicas ou ataques a sites, por exemplo, em que não há desvio ou dano financeiro ou moral, e que pela nova lei  passam a ser considerados crimes — ou seja, se equipes de segurança de uma empresa detectarem tentativas de invasão, podem pedir a abertura de uma investigação a polícia.

“Essa é a intenção. A lei abre uma janela de investigação, munindo as autoridades de arcabouços legais para investigação criminal online”, defende o coautor do projeto, o deputado Paulo Teixeira (PT-RJ). Ele cita dados da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), os quais mostram que R$ 1 bilhão foram desviados de bancos por meio de fraudes eletrônicas no ano passado, para defender a necessidade da lei.

Mesmo assim, o texto é alvo de inúmeras críticas de especialistas quanto a sua efetividade e rigor ao punir cibercriminosos. O jurista Luiz Flávio Gomes lança mão do argumento de manter delitos como roubo de informações pessoais e pequenas invasões a sistemas de computador na esfera civil, para não sobrecarregar ainda mais as autoridades judiciárias. “Além disso, nos primeiros três parágrafos eu contei mais 56 conceitos jurídicos problemáticos, como definição de ‘dispositivo informático’ e ‘sistemas de segurança’. Ou seja, a lei gera dúvida e questiono sua eficácia, pois isso certamente será utilizado na defesa de criminosos”, dispara. Ele enumera 104 divergências no total do projeto.

O texto foi aprovado pela Câmara em maio do ano passado, logo após a divulgação online de fotos íntimas furtadas do computador da atriz Carolina Dieckmann, e acabou sendo conhecida popularmente pelo seu nome. Ela passou pelo Senado em outubro e pelo plenário da Câmara no mês seguinte, indo à sanção presidencial em dezembro. Em contrapartida, o Marco Civil da Internet (PL 2126/11), de autoria do deputado Alessandro Molon (PT-RJ), que deveria passar e ter função complementar à lei penal, está parado na Câmara após inúmeros adiamentos devido a interesses econômicos das empresas de comunicação. A diferença no tratamento dos dois casos é apontada como uma pressa para satisfazer questões midiáticas e eleitoreiras, sem real aprofundamento e esclarecimento do caso.

“A lei possui utilidade didática, mas não técnica. As pessoas sentem um certo ‘medo’ e pensam duas vezes antes de cometer uma ação qualificada como crime. Mas a redação não permite, por exemplo, grandes punições por invadir um computador ou praticar atos difamatórios que gerem prejuízo físico ou moral”, expõe Opice Blum. Ele acredita que as medidas podem ser convertidas rapidamente em ações sociais, como entregas de cestas básicas ou serviços comunitários caso o réu seja primário. “Isso pode dar a impressão de que um crime de invasão de privacidade compensa. Para quem atua no crime organizado online, por exemplo, a quem as punições deveriam ser fortes”, complementa Luiz Gomes.

Na visão de Opice Blum, há uma oportunidade para garantir melhor arcabouço legal no combate ao cibercrime na revisão do Marco Civil, atuando de maneira complementar. “Hoje, os artigos 13º e 15º não permitem que os provedores abram os dados identificados dos internautas para a Polícia Federal, em caso de investigação criminal, por exemplo”, finaliza.

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