A melhoria da qualidade da internet no Brasil passa necessariamente pelo aumento do número de interconexões diretas entre redes — os chamados autonomous systems, ou sistemas autônomos (AS). A afirmação é de Eduardo Ascenço Reis, gerente do Ponto de Troca de Tráfego (PTT) do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), responsável pela distribuição dos recursos de numeração na internet brasileira.
De acordo com o executivo, existem atualmente no Brasil 2.450 sistemas autônomos, e mesmo assim considerando todos os AS — de bancos, universidades, empresas de conteúdo, provedores de internet, emissoras de TV, operações de telecomunicações, órgãos governamentais, entre outros. Ocorre que o número de provedores de conexão de internet cadastrados pelo NIC.br como AS gira em torno de mil empresas, ou seja, um terço dos cerca de 4 mil provedores existentes em todo país.
Para Reis, que participou nesta terça-feira, 1º, do 2º Congresso Provedores de Internet, em São Paulo, isso mostra que o Brasil carece de sistemas autônomos para permitir que o tráfego entre provedores, principalmente nos pequenos municípios, seja feito direta e localmente e não através de redes de terceiros, muitas vezes fisicamente distantes.
Como exemplo, o executivo cita pequenos provedores que contratam links de conexão de grandes operadoras, como Oi, Embratel ou Telefônica, para terem acesso a toda internet, mas não têm interligação entre si. "Seria fundamental que o tráfego de Manaus, por exemplo, ficasse em Manaus. Hoje, na troca de conteúdo entre o provedor A e B na capital amazonense esse tráfego sai de Manaus, vem ao Rio e volta para um dos provedores. Isso acarreta num custo elevado de infraestrutura e degrada a qualidade."
Ele ressalta que a troca direta de tráfego, além de trazer economia, porque o provedor deixa de pagar a tele, proporciona também melhoria da qualidade, porque conexões diretas são mais rápidas e confiáveis.
Falta de cultura
Embora o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) tenha criado o projeto PTTMetro, uma espécie rede metropolitana que fornece toda infraestrutura necessária para a interconexão direta entre as redes, o nível de adesão ao projeto ainda é baixo, reconhece Reis, ao dizer que a falta de cultura na troca de tráfego é um obstáculo a ser vencido no Brasil.
Segundo ele, quando se compara com a Europa, por exemplo, o Brasil fica bem para trás. "O PTT de São Paulo tem mais de 500 participantes, o que é um número bastante significativo mesmo para os padrões mundiais, mas o pico de troca efetiva de tráfego é de 400 gigas, o que é baixo. Em Amsterdam, por exemplo, o PTT troca cerca 3 terabytes. A diferença é grande, por isso precisamos trabalhar para que os provedores entendam que a troca de tráfego é boa para todos", completa.
O gerente do NIC.br explica que as operadoras de telecomunicações entraram após a obrigatoriedade da medição da banda larga, mas a adesão dos provedores de internet ainda é pequena. Um dos obstáculos para adesão dos provedores é não disporem de mão-de-obra qualificada para fazer o suporte e manutenção.
Reis observa que o custo para se tornar um AS é relativamente baixo — cerca de R$ 4 mil —, e há a opção, inclusive, de o provedor usar o próprio link adquirido da operadora de telecomunicações para ter a interconexão direta. "O problema maior é mesmo a falta de recursos humanos", reafirma Reis. Ele conta que o NIC.br montou um curso para treinamento em IPv6, já que os provedores que quiserem se tornar um AS já começarão a operar com o novo protocolo de internet, uma vez que os blocos de endereços IPv4 livres para alocação se esgotarão nos próximos meses.
Copa do Mundo
Em relação a Copa do Mundo, Reis diz que há uma grande preocupação com a gestão da internet no Rio de Janeiro, cuja infraestrutura é formada basicamente por redes de fibra ótica, o que não é a mais indica para atender a demanda prevista para o evento esportivo. E, segundo ele, não há condições técnicas para ampliar a capacidade do PTT do Rio, que hoje opera com 20 gigabytes, para 100 gigabytes.
Os equipamentos para reforçar a operação do PTT da cidade, em razão da baixa qualidade da rede de fibra ótica, especialmente no bairro da Barra da Tijuca, onde ficará o Centro de Imprensa, já foram disponibilizados e exigirá uma atenção especial.
Para se precaver contra possíveis problemas, e não só no Rio de Janeiro, o NIC.br definiu que, a partir do dia 13 de maio, 30 dias antes da abertura da Copa, que não será mais feita a distribuição de portas para a troca de tráfego. "Vamos ficar no suporte para evitarmos uma sobrecarga na internet brasileira", explica Reis.