A digitalização sem precedentes e os avanços tecnológicos dos últimos anos vêm impactando indiscriminadamente os mais diversos segmentos da economia global. No entanto, é no setor financeiro que as repercussões parecem mais evidentes, já que, em maior ou menor grau, afetam diretamente boa parte dos consumidores e empresas. No Brasil, principalmente no pós pandemia, essa migração de atividades e serviços financeiros para o mundo digital chama a atenção por ter resultado em mudanças rápidas e quebras de antigos paradigmas.
Ilustram bem esse fato dois exemplos recentes relacionados a verdadeiros símbolos do sistema financeiro nacional que resistiram bravamente durante muito tempo, mas que por fim perderam sua relevância na esteira da explosão digital.
O DOC (Documento de Ordem de Crédito), uma das mais tradicionais formas de transferência bancária, em uso há quase quatro décadas, acaba de ser extinto. Foi superado por transações mais ágeis e baratas, notadamente o PIX, a plataforma de pagamentos instantâneos que somou R$ 17,2 trilhões em movimentações no ano passado, 57,8% a mais do que no ano anterior, segundo o Banco Central. Outro instrumento tradicional do mercado brasileiro, o cheque é cada vez menos utilizado pela população. Dados divulgados em janeiro pela Febraban (Federação Brasileira de Bancos) revelam que em 2023 foram compensados 17% menos documentos do que em 2022. Já na comparação com 1995, a queda chega a nada menos do que 95%.
Os casos citados são apenas amostras de que, após um período de reformas mais lentas, as instituições financeiras, sejam elas bancos tradicionais ou digitais, neobancos, fintechs, varejistas e outras entidades, têm hoje uma certeza: serão continuamente desafiadas a se transformar e em ritmo cada vez mais acelerado.
Diante disso, os provedores de serviços financeiros começam 2024 precisando se ajustar a um cenário marcado pela evolução do mercado de crédito, atuar fortemente no combate às fraudes e garantir o cumprimento de novas conformidades quanto à segurança de dados, proteção ao consumidor e prevenção à lavagem de dinheiro. Além disso, o mercado aponta para a inevitável adoção de soluções baseadas em Inteligência Artificial, para enfrentar uma concorrência crescente e atender à demanda por operações sustentáveis.
No setor de crédito, vale destacar o avanço de novas modalidades, como empréstimos peer-to-peer e serviços bancários como serviço (BaaS), cada vez mais populares e com potencial de expansão. De acordo com estudo da Acumen Research and Consulting (ARC), somente o mercado global de empréstimos P2P deverá atingir mais de US$ 800 bilhões até 2030.
Em relação aos meios de pagamento, o Buy Now, Pay Later (BNPL), ou "compre agora, pague depois", versão moderna dos antigos cheques pré-datados, tende a se consolidar em alguns dos segmentos de mercado mais carentes, devido à sua simplicidade e conveniência. As instituições que conseguirem integrar essa oferta à sua carteira de serviços podem ajudar a garantir uma solução mais abrangente (e competitiva) aos clientes, além de promover a inclusão financeira.
Tema onipresente em todas as verticais de negócios, a Inteligência Artificial e o aprendizado de máquina (ML) devem ampliar ainda mais sua participação no setor, uma vez que se tornaram indispensáveis para detecção e prevenção de golpes graças à capacidade de antecipar e mitigar eventuais ameaças. E mais do que isso: o acesso a fontes de dados diversos e alternativos, posteriormente orquestrados e integrados por modelos de IA, seguirá desempenhando um papel determinante para processos de decisão de risco precisos, rápidos e com capacidade de dizer "sim" com segurança a mais clientes, uma demanda sempre presente no segmento.
Diferentemente das fintechs, nativas digitais, instituições tradicionais terão de deixar de lado tecnologias legadas para ampliar a oferta de possibilidades online e inovações, proporcionando aos usuários uma experiência de uso aprimorada, marcada por facilidade de acesso, melhores taxas e agilidade no atendimento. Entre os bancos já existem até aqueles que preferem lançar um produto digital a digitalizar um produto analógico, movimento que tende a ganhar força.
Por tudo isso, 2024 se apresenta como um ano crucial para todo o setor de serviços financeiros, que precisará compreender, se adaptar e criar estratégias inovadoras para acompanhar as disrupções do setor. Só assim, bancos tradicionais ou digitais, neobancos, fintechs e demais entidades provedoras de ofertas financeiras vão se manter relevantes e bem-sucedidas nesse cenário para lá de dinâmico.
Patrícia Matheus, Head de Vendas da Provenir no Brasil.