Um consumidor que mora em determinado estado realiza a compra por meio da internet. A loja com sede em outro estado recolhe o Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS). O capítulo seguinte dessa história vem gerando debates constantes: que estado deve ficar com o valor do ICMS recolhido, o de onde mora o consumidor, onde a loja está localizada, ou em ambos?
Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) sobre esse tema tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) e, segundo decisão do vice-presidente da corte, ministro Ricardo Lewandowski, proferida na quarta-feira, 4, deve seguir direto para avaliação do plenário, sem decisões de caráter preliminar. De acordo com Lewandowski, a adoção do rito abreviado é necessária “tendo em vista a conveniência de um julgamento único e definitivo sobre o tema, além da evidente relevância da matéria e de seu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica”.
A ADI 4909, ajuizada pela Procuradoria Geral da República (PGR), questiona uma decisão do governo do Pará, que determina que nas compras pela internet feitas no estado sejam recolhidas alíquotas de 6% a 12% de ICMS. “O valor arrecadado seria dividido entre os dois estados”, explica o professor de Direito Tributário da Universidade de Brasília (UnB), Valcir Gassen.
A decisão paraense se baseia no Protocolo Confaz 21, segundo o qual em operações interestaduais de venda realizadas de forma não presencial, os estados destinatários do produto poderão exigir o recolhimento de parcela do ICMS no momento do ingresso do bem no território. Por esse protocolo, as compras feitas em estabelecimentos localizados no Sul e no Sudeste têm alíquota única de 6%, enquanto naqueles sediados no Norte e Nordeste têm taxa de 12%, e os valores são compartilhados por ambos os estados.
Contudo, os estados do Sul e Sudeste não são signatários do acordo, já que são as regiões onde a maioria das lojas está localizada, e que teriam, portanto, de dividir o ICMS dessas compras com outros entes federativos. “No entendimento da PGR o protocolo fere dispositivos da Constituição, que afirmam que o imposto deve ser recolhido no estado do consumidor de direito”, conta Gassen.
Consumidor de direito é a empresa que recolhe os tributos embutidos no valor do produto na hora da compra. “Na prática a loja apenas repassa o valor, já que quem arca com o imposto é o consumidor de fato, ou seja, quem efetivamente compra o produto. Assim, a argumentação dos estados de Norte, Nordeste e Centro-Oeste é que o sistema tributário é cruel: transfere para os estados ricos o valor gasto em uma compra realizada pelo consumidor do estado mais pobre”, conta.
Embora na constituição esteja empregado o termo “consumidor de direito”, na visão do jurista, o plenário do STF pode conceder decisão favorável ao estado do Pará, abrindo um precedente favorável a outras unidades da federação na mesma situação, que enfrentam casos semelhantes. Em janeiro, o estado de Sergipe fez contestação semelhante.
“A constituição não é mudada apenas por meio de emendas, ela pode ser alterada quando surgem novas interpretações dela, e este é um mais caso onde o Supremo pode aplicar uma nova interpretação caso entenda que há uma desigualdade na distribuição dos impostos”, opina o especialista da UnB.