O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) defendeu nesta quarta-feira, 5, a abertura de tratativas com o executivo para que envie uma proposta de criação de um órgão que funcione com autoridade garantidora do tratamento dos dados pessoais no Brasil. Ele ressalta que nos países da Europa, por exemplo, é essa autoridade que tem assegurado à proteção dos dados dos cidadãos, fazendo valer a norma e punindo quando há abusos.
Silva, que relata o PL de tratamento de dados pessoais, disse que a criação dessa autoridade é uma unanimidade em todos os setores ouvidos sobre o tema, mas que não foi contemplada na proposta enviada pelo executivo ao Congresso Nacional. O parlamentar sugere, por exemplo, que o governo envie novo projeto apenas com a criação desse órgão, que deve ser autônomo e ter independência financeira.
O PL 5276/2016, elaborado pelo Ministério da Justiça após grande participação popular, até fala em um órgão competente e em um conselho nacional, multidisciplinar, mas não prevê autonomia nem independência. "Isso se mostra insuficiente", afirma Orlando Silva.
Interesse legítimo
A comissão especial que debate os projetos de lei de tratamento dos dados pessoais ouviu nesta quarta-feira em audiência pública representantes dos bancos, da academia e de entidades sociais sobre uma das hipóteses de tratamento de dados pessoais, que é o interesse legítimo. O professo de Direito Digital da universidade Mackenzie, Renato Leite, disse que essa hipótese de tratamento de dados é justificável em certas situações em que a busca do consentimento inequívoco se mostra contraprodutiva. Ele afirma que o conceito garante segurança jurídica para vários modelos de negócios que hoje atuam em "território pantanoso", mas não pode ser considerado uma "bala de prata" para justificar quebra da privacidade do cidadão.
Segundo Leite, o interesse legítimo não pode ser usado baseado apenas no interesse comercial ou especulativo. Para ele, é preciso haver um balanceamento entre os benefícios para o desenvolvimento econômico e de inovação e a proteção dos direitos fundamentais do cidadão. Por essa razão, esse tratamento deve ser balizado por regras como finalidades práticas, transparência do processo e poder de oposição pelos titulares dos dados.
O presidente do Instituto Brasileiro de Direito Digital, Frederico Ceroy, disse que o interesse legítimo é um importante instrumento de desenvolvimento econômico e social, mas o seu uso deve passar por testes de equilíbrio, fundamentado e auditável pela autoridade garantidora, que falta no projeto de lei em discussão.
A representante da organização não-governamental "Artigo 19", Laura Tresca, por sua vez, defendeu a criação de instrumentos para que o titular possa acompanhar o tratamento dos dados, no caso de interesse legítimo. E a advogada da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Florence Pareda, defendeu que não fosse conceituado o legítimo interesse, mas que se fosse remitido aos princípios gerais da legislação para não engessar seu uso.
É importante não apenas a criação de um órgão regulador responsável pelo tratamento de dados pessoais e privacidade, mas também que sua proposta envolva a participação de toda a sociedade, por meio de consultas e audiências públicas. Assim foi com o Marco Civil da Internet, com a Lei do SeAC e com o próprio PL 5276/2016.