A internet surgiu em 1969, basicamente voltada para finalidades científicas e conectando sites da academia e das Forças Armadas. Neste período, pouquíssimos eram os conflitos que emergiam no âmbito da rede por conta do número limitado e restrito de usuários, e também pelas preocupações da época, voltadas para o funcionamento e estabilidade da rede em si.
Com a internet mais popularizada, o aumento de usuários e do fluxo de transações por meio da rede de computadores fez aumentar também o número de conflitos, que, necessariamente deveriam ser resolvidos com agilidade, tornando necessário o uso da tecnologia para assistir e resolvê-los. Até meados da década de 90 não era comum, fácil ou economicamente acessível encontrar um provedor de internet que viabilizasse a navegação na rede. O diminuto número de usuários até então não se traduzia na inexistência de conflitos, mas os poucos que apareciam eram resolvidos informalmente, sem maiores repercussões. Tal perspectiva perdurou por aproximadamente duas décadas, quando as iniciativas com a chamada internet comercial propagaram.
A primeira empresa a observar a necessidade de criar ferramentas online para resolução de conflitos foi a norte-americana Ebay, avaliando o crescente índice de reclamações e o perigo, caso não fossem resolvidas em tempo hábil, da diminuição nas compras em sua plataforma. Contrariamente, a empresa também percebeu que ao apresentar uma resposta rápida e eficiente aos conflitos, o nível de confiança aumentaria, bem como as transações comerciais na sua plataforma. A marca também notou que a forma de resolução usual, com a intervenção humana atuando para a resolução dos conflitos entre compradores e vendedores, não seria suficiente para dar a resposta apropriada à demanda crescente, no tempo apropriado.
Nesse cenário, nasce o uso da tecnologia para assistir e resolver conflitos, as chamadas ferramentas ODR — Online Dispute Resolution. A primeira delas, criada para solucionar casos e uma das mais eficientes do mundo, foi a Modria, que está em funcionamento até hoje.
A ideia por trás das ODRs é justamente dar conta de um número de disputas que seria impossível lidar se a perspectiva fossem os métodos tradicionais de resolução de disputas, todos demandando a intervenção humana. Estas ferramentas conseguem promover técnicas de mediação em um formato de software, traçando um fluxo informacional que é gerenciado pela plataforma, deixando para a intervenção humana apenas os casos que fogem aos filtros pré-determinados.
Tudo isso para dizer que as ferramentas ODR foram criadas para suportar uma demanda que nitidamente não seria possível encarar apenas com a aplicação de métodos tradicionais de resolução de conflitos, todos demandando a intervenção humana. Com a pandemia do coronavírus, coloca-se a humanidade em uma situação nunca antes vivida, com impactos que também nunca foram sentidos e esse grau de incerteza repercute em grande parte da vida social, com especial atenção para a saúde, mas sem perder de vista o ambiente econômico, que conta com indiscutível relevância para a resolução da crise.
Com as medidas sanitárias determinadas pelos governos, é crescente o número de cancelamento de compromissos, com forte impacto nos mais diversos nichos econômicos. Quem deve pagar essa conta é a pergunta que pode gerar uma infinidade de conflitos, que não serão superados com o auxílio dos meios tradicionais de resolução de demandas.
Já passou da hora de construir as bases que propiciarão a superação destes desafios, especialmente pelo o fato de que a maioria dos órgãos públicos que poderiam ser utilizados, numa perspectiva tradicional, como suporte para auxiliar na resolução dos conflitos, também estão de quarentena. As ferramentas ODR serão fundamentais para gerir essa grande quantidade de informações e as técnicas inseridas nos respectivos softwares poderão automatizar um percentual considerável de acordos, minimizando despesas desnecessárias, propiciando planejamento adequado para os envolvidos e satisfação quanto aos resultados obtidos.
A tentativa de solução desses conflitos, que irão se agigantar com o decorrer do tempo pelos métodos tradicionais, implicará no colapso das estruturas físicas ordinariamente voltadas para este trabalho, com resultado insatisfatório para todas as partes envolvidas e um dispêndio financeiro além do razoável, especialmente se levarmos em consideração todos os aspectos econômicos envolvidos para o enfrentamento da pandemia.
Em um momento que o amanhã está tomado por tantas incertezas, a criatividade, a técnica e o uso da tecnologia, modulados para atuar em um ambiente instável, é o que pode minimizar o impacto da crise econômica e, quem sabe, até fortalecer relacionamentos comerciais.
Ronaldo Gallo, sócio-fundador da Câmara de Mediação e Arbitragem Especializada – CAMES Brasil. Mestre em Direito pela PUC-SP e autor do livro "Previdência Privada e Arbitragem".