De Berlim a Madrid, de Londres a Paris, as empresas de tecnologia norte-americanas enfrentam uma dura batalha na Europa. O conflito, que opõe governos e os novos titãs da tecnologia, ganhou vulto nos últimos tempos com a aprovação de uma moção do Parlamento Europeu pedindo que o Google seja dividido em duas empresas — uma com o site de buscas e outra com todos os demais produtos da empresa (Gmail, Google Maps, YouTube, Android etc.).
Os formuladores de políticas europeias, acostumados a controlar setores-chave da economia, querem restringir o domínio de mercado que empresas como Google, Apple e Microsoft têm no continente. Para eles, o crescimento dos lucros dessas companhias na Europa, bem como o uso de estruturas fiscais complexas para remeter os lucros de suas operações europeias para jurisdições como a Irlanda e Luxemburgo, onde pagam menos impostos, tem levado à deterioração das indústrias locais.
Mas a disputa não se restringe ao campo econômico. Ela envolve também questões culturais, valores e a preservação da privacidade dos cidadãos europeus. A grande maioria dos países da Europa considera que a internet está sob a influência e controle dos EUA, o que foi sedimentado com as revelações do ex-colaborador da Agência de Segurança Nacional (NSA), Edward Snowden, sobre o programa de vigilância do governo dos EUA.
O vazamento de documentos sobre o vasto programa de espionagem americano desencadeou uma reação em cadeia dos europeus, com medidas que ocorrem quase que diariamente. Na última segunda-feira, 8, por exemplo, um tribunal holandês proibiu o aplicativo Uber, que conecta passageiros a motoristas profissionais, de operar nos Países Baixos. Na semana passada, o ministro das Finanças britânico, George Osborne, anunciou a criação do "imposto Google", que estabelece uma alíquota de 25% de imposto sobre os lucros locais de empresas internacionais.
Uma semana antes, funcionários franceses e alemães foram chamados a opiniar, por meio de uma consulta pública, sobre o comportamento das grandes empresas de tecnologia dos EUA. Isso sem falar na resolução do Parlamento Europeu pedindo a divisão do Google.
Direito a ser esquecido
As empresas norte-americanas já haviam ficado atordoadas com a decisão do Tribunal de Justiça Europeu, em maio, que definiu que os europeus tinham o "direito a ser esquecido" na internet, exigindo que links com referências potencialmente prejudiciais fossem removidos dos resultados de buscas. No mês passado, os órgãos reguladores sobre privacidade na Europa foram mais longe e recomendaram que os sites de buscas aplicassem a decisão a todos os seus sites, não apenas na Europa.
A pressão dos europeus sobre as empresas de tecnologia norte-americanas é tamanha que algumas já não veem a atuação fora dos EUA como tão vantajosa para manter o crescimento rápido. Em Wall Street, analistas cada vez mais falam que a regulação europeia — e em menor grau, em outras partes do mundo — como uma real ameaça para empresas de internet, como o Google, que foram montando uma poderosa engrenagem para aumentar o uso da web.
Um sinal claro dessa preocupação pode ser verificado pela decisão do analista do Bank of America Merrill Lynch, Justin Post, que rebaixou a recomendação para as ações do Google na sexta-feira, 5, citando o risco regulatório europeu. "A tentativa da União Europeia de restringir a atuação do Google poderá impedir a empresa de lançar novos produtos", disse ele ao The Wall Street Journal. O resultado é que as ações do gigante das buscas estão 5% abaixo neste ano, depois de crescerem mais de 75% em 2012 e 2013, juntos.
Assim como na Europa, as empresas de tecnologia norte-americanas têm enfrentado problemas em outras regiões do mundo, particularmente na China, onde muitos dos serviços do Google e do Facebook são bloqueados, o que faz com que seja difícil a competição com rivais locais.
Privacidade de dados
Além das limitações às ferramentas de buscas, o foco da Europa sobre a privacidade de dados também restringe a quantidade de informações que as empresas de tecnologia dos EUA podem coletar dos consumidores. Esses dados são o combustível que impulsiona as receitas com publicidade e o comércio eletrônico de empresas como Google, Facebook e Amazon. Para completar, crescem os pedidos de empresas para que suas informações fiquem armazenadas em data centers localizados na Europa, o que torna a operação mais cara.
Mas os riscos dessa política também são enormes. Metade de todo o crescimento da produtividade na Europa vem do investimento em tecnologias de informação e comunicações (TICs), de acordo com um relatório publicado em março pela Comissão Europeia, braço executivo da União Europeia. "Nós reconhecemos que a inovação melhora a nossa vida, mas queremos a igualdade de condições", disse Ramon Tremosa i Balcells, deputado espanhol do Parlamento Europeu, que apoiou a resolução que defende a divisão do Google. "Estamos apenas refletindo as preocupações dos consumidores europeus e das empresas europeias."
O professor de Direito da Universidade de Liège, na Bélgica, Nicolas Petit, critica. "A intervenção do governo na economia nunca foi tão elvada na Europa, desde o início dos anos 1970." Para alguns especialistas, a reação Europeia é protecionismo sob uma nova roupagem, que só vai sufocar ainda mais o crescimento do continente. "Por que discriminar uma forma superior de prestação de serviços?", disse Vivek Ghosal, professor da Faculdade de Economia do Georgia Institute of Technology, ao jornal americano.