O termo "transformação digital" vem ganhando cada vez mais força, mas, ainda, é uma grande incógnita para muitas empresas, que não entendem a importância do investimento e a abrangência das mudanças necessárias para trilhar este caminho. Por isso, vale a reflexão: mas, afinal, o que é transformação digital e o que ela traz de bom para as empresas?
Certas companhias ainda têm a rasa visão de que desenvolver um aplicativo móvel ou estar presente nas mídias sociais a torna "digital". Entretanto, tal jornada é bem mais complexa do que isso, e exige mudanças dentro da corporação, que vão muito além da questão tecnológica. Transformação digital é uma revisão (ou reconstrução) do modelo de negócio atual, é abrir mão do DNA antigo e de estruturas engessadas e enxergar além. Só assim os executivos passarão a entender qual potencial que se têm em mãos e gerar, de fato, maior valor ao business. É preciso atingir os hábitos de consumo dos principais executivos da empresa para gerar essa mudança. Se eles não forem digitais, consequentemente a empresa também não será.
Só para entender esse enorme potencial, muitas empresas, que já nasceram com este "DNA digital", valem, atualmente, mais do que o negócio original como é o caso, por exemplo, do PagSeguro, criado pelo UOL, e do PayPal, spin-off do eBay. Outras empresas também se encaixam nesse modelo, gerando conflitos com os incumbentes, organizações tradicionais engessadas, como é o caso de Uber x Cooperativas de Táxi, Netflix x TVs por assinatura e, inclusive, Nubank x Bancos convencionais.
No mercado financeiro, essa onda de transformação, na minha opinião, vem com a grande tendência das empresas que já possuem redes de distribuição bem estabelecidas, como as varejistas, criarem suas próprias fintechs. Diferentemente de uma startup, que precisa conquistar clientes para ter escala, várias empresas já possuem uma extensa carteira de clientes e só precisam da inclusão desses serviços em sua oferta para ampliarem ainda mais suas possibilidades de negócios.
Neste cenário, temos empresas com centenas de milhares de pontos de venda com os quais nos relacionamos toda semana. Se elas montam uma plataforma própria de contas digitais, direcionando todas as transações do ponto de venda para tais contas, temos como benefícios a redução dos custos de cobrança (fim dos intermediários de pagamento), a diminuição da inadimplência e, também, a possibilidade de oferecer crédito – e outros produtos financeiros – para sua base de clientes de forma mais competitiva do que os grandes bancos. Um bom exemplo de empresa que entendeu a real importância e se antecipou a este movimento foi o Grupo Martins, que vem implementando este modelo através do seu banco, o Tribanco, que agora oferece contas digitais para os consumidores da rede de supermercados parceiros.
Em geral, essas empresas, varejistas ou distribuidores em seu DNA, poderão aproximar os pequenos e médios bancos do mercado B2B ou B2C, ampliando muito a oferta de crédito e de outros produtos financeiros. Os bancos, por sua vez, vão continuar a oferecer produtos financeiros, mas muitos irão fazê-lo através de marketplaces não financeiros, que possuem relacionamento mais próximo como cliente final e possuem uma conta digital própria para liquidação das operações. Tudo indica que haverá uma guerra entre as "e-wallets universais", como Apple Pay e Samsung Pay, associadas aos players tradicionais (emissores, adquirentes e bandeiras) e as "e-wallets proprietárias", fornecidas por estes novos entrantes.
Em resumo, as "fintechs embarcadas", que funcionam dentro de outras empresas, devem ser uma grande tendência nos varejistas, distribuidores, indústria de consumo e todos os outros grandes grupos econômicos que controlam muitas transações. Estes sim têm enorme potencial de brigar com os bancos. Como consequência, pode ser um período duro para as fintechs "puras", que possivelmente serão vendidas ou deverão buscar estabelecer parcerias para acelerar o processo dos players que já controlam muitas transações. Claro que os grandes bancos, vendo este movimento como inevitável, podem se aliar com estas empresas e apoiar na criação das "fintechs embarcadas", tendo no varejista um grande parceiro para seus produtos financeiros. Este movimento pode resultar em "guerra" ou em "parceria". O futuro dirá!
Carlos Netto, CEO da Matera.