Quando discutimos sobre boas práticas de Gestão de Continuidade de Negócios, muito se fala do ambiente tecnológico, das ameaças cibernéticas e da guerra na Ucrânia, assim como dos riscos climáticos e da pandemia.
O que nem sempre faz parte da pauta é a escassez de mão de obra qualificada. O assunto pode ser considerado com um dos fatores de riscos, mas, sob o ponto de vista de negócios, não se tem visto, nos últimos meses, as empresas buscarem estruturar suas contingências por conta dessa situação. E não é falta de debate sobre o assunto.
Temos visto diversas reportagens sobre o tema e, inclusive, a carta aos CEOs, de 2022, escrita pelo presidente do conselho de Administração e diretor executivo da gestora BlackRock, Larry Fink, reforça que "as empresas que forjaram fortes vínculos com seus funcionários observaram níveis mais baixos de rotatividade e maiores retornos durante a pandemia. As empresas que não se adaptam a essa nova realidade e não respondem aos seus trabalhadores fazem isso por sua conta e risco. A rotatividade aumenta as despesas, reduz a produtividade e prejudica a cultura e a memória corporativa".
Se você é gestor, talvez já tenha passado pela perda recente de algum profissional para o mercado e deve estar sentindo a dificuldade de contratar pessoas qualificadas, especialmente nas áreas de tecnologia da informação, atendimento ao cliente, logística e operações e marketing e vendas, que são as mais demandadas. Mas, além dessas, a dificuldade também passa por cargos de liderança. Já é percebida uma parcela de profissionais que não está com foco em uma promoção, visto que uma evolução na carreira poderia ser uma ameaça ao equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
Olhando sob um aspecto mais amplo, não se trata somente da continuidade de negócios. Aqui, esbarramos na gestão de riscos estratégicos. Além da oscilação no dólar, concorrentes, instabilidade econômica e política e aspectos regulatórios, o fator humano já tem estado presente na matriz de riscos das empresas há anos, seja por questões de sucessão, perda de conhecimento ou falta de recursos.
E para trazer mais um elemento, vale citar o Great Resignation, fenômeno em que profissionais pedem demissão sem necessariamente ter outro emprego engatilhado. Além dos Estados Unidos, onde observamos esse cenário ocorrendo de forma mais contundente, situações semelhantes têm alcançado outros países e colocado as empresas em alerta. A saída voluntária está associada ao ambiente tóxico, à pressão e à falta de reconhecimento profissional. Além de mudar a forma como nos relacionamos no trabalho, a pandemia fez muitos profissionais pensarem se está valendo a pena seguir em seus empregos atuais.
Para lidar com tais cenários, vale fazer algumas reflexões. Há alguns fatores que levam as pessoas a almejarem trabalhar em uma empresa, como o clima e o senso de pertencimento. Isso porque passamos mais tempo no trabalho do que em qualquer outra atividade e, muitas dessas horas, são dedicadas à interação com os colegas. Posto isso, colaborações malsucedidas criam dificuldades, quebram a confiança, atrasam os cronogramas e desencadeiam as dores de cabeça gerenciais.
Com uma parcela considerável das companhias adotando o sistema híbrido, as empresas devem pensar em como migrar para modelos flexíveis, nos quais as preferências de colaboradores e clientes e as necessidades dos negócios sejam equilibradas. Além disso, é um modelo que tem a confiança e o empoderamento como alguns dos seus pilares, gerando desafios na comunicação e cultura corporativa.
As definições de planos de sucessão e estratégias de retenção são ações que têm sido conduzidas pelas áreas de Gente e Gestão. E, quando o problema é a falta de qualificação, nota-se que algumas empresas estão desenvolvendo seus próprios cursos de formação, adotando, por exemplo, as universidades corporativas para ensinar novas habilidades técnicas e comportamentais.
Como todo projeto de Gestão de Continuidade de Negócios, uma etapa de diagnóstico bem executada é fundamental para identificar a existência do risco de escassez de profissionais qualificados. Correlacionar os impactos aos processos e às linhas de negócio faz parte da qualificação do risco e ajuda e definir as diretrizes para as contingências necessárias.
Por exemplo, um hospital que tiver falta de profissionais da saúde poderá ter impacto no seu atendimento e, em casos extremos, afetar a vida de seus pacientes. Já uma área de cibersegurança ou tecnologia da informação que não tiver os recursos necessários para o monitoramento e a tomada de decisão em casos de ataques, poderá sofrer com a dificuldade e a demora para reestabelecer o ambiente de sistemas e a infraestrutura. Cada negócio tem seus próprios desafios. Saber identificá-los faz parte da gestão de riscos que toda empresa deveria ter.
Daniela Coelho, diretora de Gestão de Riscos e ESG da ICTS Protiviti.