Os processos de alocação dos recursos naturais, sua escassez e o não tempo para a regeneração sempre permeou os pensamentos e questionamentos de políticos, ambientalistas e empresários e também têm inundado as discussões econômicas do mundo. Inclusive, os vencedores de prêmios Nobel de Economia, como William Nordhaus, Paul Romer e Robert Solow, trazem para este debate a seguinte questão: como a inovação e sustentabilidade podem garantir a alocação dos recursos sem causar prejuízos significativos às gerações futuras e ao meio ambiente?
A inovação e o avanço tecnológico contemporâneo podem ser uma alavanca para que a sociedade passe a olhar a alocação de recursos naturais com o cuidado necessário para o desenvolvimento sustentável. Pequenos empreendedores com apetite de trazer soluções de cunho ambiental, social e ideológico para os seus negócios estão dispostos a fazer a diferença para os debates da sustentabilidade. Uma das ferramentas de inovação utilizadas são as tecnologias provenientes da onda da digitalização que, atualmente, residem nos modelos de negócios e na cabeça de empreendedores de impacto socioambientais que querem mudar, não somente a partir do lucro, mas também com um pressuposto ideológico.
Para responder as emergências relacionadas à sustentabilidade do nosso planeta, as empresas Cleantechs surgem como startups com soluções tecnológicas que produzem menos impacto ao meio ambiente e sociedade gerando eficiência como principal externalidade de suas atividades. De forma objetiva, são empresas que fornecem tecnologias limpas para resolver questões tradicionalmente enfrentadas com custos e recursos ambientais relevantes.
Os protagonistas destas empresas trazem soluções provenientes da tecnologia da informação solucionando questões ligadas a eficiência energética, geração de energia limpa, desperdício de água, emissões de carbono, transportes e até otimização de processos produtivos para reduzir o impacto. Essas soluções podem ser apresentadas nas Cleantechs por meio de Inteligência Artificial, Big Data, Data Analytics, Automação Industrial, Nuvem de Dados, Blockchain, Internet das Coisas e Descentralização de Redes. Todas essas soluções são provenientes de uma transformação digital da atualidade.
Em 2019, os principais segmentos de atuação das empresas Cleantechs no Brasil se desdobraram em: Energia Limpa (41%), Ar e Meio Ambiente (33%), Indústria Limpa (29%), Eficiência (29%), Água (23%), Agricultura (21%), Transporte (13%), Armazenamento (7%) e outros segmentos (7%), segundo pesquisa da FGV e a UFRJ. Essa matriz de representatividade destes segmentos evidencia uma preocupação prática dos problemas de infraestrutura, em relação aos impactos sociais e ambientais.
Assim como para os vencedores de prêmio Nobel, para as Cleantechs a inovação também é uma ferramenta propulsora para solucionar problemas respectivos a cada segmento. As inovações ocorrem nos processos, modelos de negócios e produtos e serviços que se diferenciam de empresas convencionais. A Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA) apresenta alguns caminhos para as inovações tecnológicas que vêm sendo contempladas pelas empresas Cleantechs, dentre eles estão: armazenamento de energia, eletrificação de setores como transporte e aquecimento, utilização de tecnologias digitais de internet das coisas e inteligência artificial, descentralização e criação de redes de energia renovável para prover flexibilidade dos sistemas de energia. Além desses caminhos ligados ao setor de infraestrutura, as Cleantechs também trazem soluções de inclusão de profissionais nos setores de agricultura e energia.
Um bom exemplo de Cleantech é a Sun Mobi, que comercializa cotas de energia solar para pessoas que queiram economizar sua conta de luz por um sistema de compensação energética. A startup nasceu com a premissa de evitar que as pessoas consumissem energia proveniente de fontes fósseis e não renováveis. Para executar essa solução são utilizados dados em nuvem que monitoram o consumo e a venda das cotas de energia para descentralizar o consumo da rede. A abrangência dos modelos de negócios de Cleantechs tem um poder integrador entre as temáticas já discutidas e ainda dá autonomia de escolha para as pessoas.
A escalabilidade dessas inovações será fundamental para conseguirmos atingir os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), da ONU, em 2030. Alguns dos 17 ODS podem ser impulsionadas pelas Cleantechs como: acesso a energia limpa e acessível, infraestrutura e inovação, combate às mudanças climáticas, produção e consumo sustentável e redução das desigualdades. É fundamental que os conceitos de alocação de recursos naturais sejam enxergados por uma nova lente na esfera social.
As Cleantechs vêm para reenquadrar a sustentabilidade fazendo com que empresas e governos repensem conceitos do meio ambiente, sociedade e governança (ESG). Para que o desenvolvimento sustentável ande em passos largos será necessária uma relação simbiótica com a tecnologia e as soluções de transformação digital que as Cleantechs apresentam em seus modelos de negócio.
Marcus Nakagawa, professor da ESPM; coordenador do Centro ESPM de Desenvolvimento Socioambiental (CEDS); idealizador e conselheiro da Abraps; e palestrante sobre sustentabilidade, empreendedorismo e estilo de vida. Autor dos livros: Marketing para Ambientes Disruptivos; Administração por Competências; e 101 Dias com Ações Mais Sustentáveis para Mudar o Mundo (Prêmio Jabuti 2019); Matheus Noronha, doutorando de estratégia e inovação de negócios internacionais e mestre em comportamento do consumidor na ESPM. Trabalha com assuntos de estratégia e inovação na área de energias renováveis na ABEEólica – Associação Brasileira de Energia.