Um vazio jurídico brasileiro pode estar com os dias contados. Depois de cerca de dois anos de trabalho, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), vinculada ao Ministério da Justiça, pretende finalizar na próxima semana a elaboração do projeto de lei que trata do uso dos dados pessoais dos usuários — como históricos de navegação e cookies — por parte das empresas. A proposta, que ainda passará pela Casa Civil da Presidência da República, última parada antes de ser debatida no Congresso Nacional, pretende tirar o Brasil da condição de único país do G20 sem uma legislação sobre o tema.
Em entrevista exclusiva à TI INSIDE Online, a secretária Nacional do Consumidor, Juliana Pereira da Silva, explicou que o objetivo principal da regulamentação é trazer mais segurança tanto para usuários quanto para empresas. “Recebemos muitas reclamações dos consumidores e, por outro lado, informações de vários segmentos empresariais de que há uma insegurança jurídica enorme nesse setor. Assim, um dos focos desse projeto é trazer segurança para a área, facilitando inclusive a geração de mais negócios”, afirma a secretária.
Um dos pontos mais importantes da proposta da Senacon é a criação de um órgão que fiscalize a relação das empresas com os dados dos usuários. “No Brasil não basta ter uma norma, é preciso de um órgão que zele para que ela seja cumprida”, comenta Juliana. "Nossa intenção é que esse órgão não seja meramente observador, mas que ele tenha poder de punir, de aplicar sanções para quem desrespeitar as regras”, afirma. O projeto do órgão trata apenas dos objetivos dessa nova instância, a sua estruturação administrativa e política ficará a cargo da Casa Civil.
Do ponto de vista do consumidor, a norma deve garantir a titularidade dos dados para o próprio usuário. “Vivemos em uma sociedade da informação e é da natureza desse tipo de sociedade viver de dados. Por isso, precisamos garantir que os dados do cidadão sejam de posse dele. Que o usuário seja dono de seus dados no meio virtual”, completa Juliana.
A nova norma acabaria, portanto, com disputas entre internautas e empresas sobre quem tem direitos sobre informações pessoais armazenadas em ambientes virtuais. Antes de utilizar os cookies dos navegadores dos usuários para direcionar a eles conteúdos publicitários específicos, por exemplo, os sites precisarão solicitar uma autorização específica de uso.
Outra novidade que deve ser incluída na nova legislação são parâmetros de segurança que precisarão ser seguidos pelas empresas, para garantir que dados pessoais utilizados com autorização não vazem ou fiquem vulneráveis a ataques. Desta forma, a criação de um órgão fiscalizador, a titularidade das informações e os parâmetros de segurança a serem seguidos serão os três eixos centrais da nova lei a ser proposta pela secretaria.
Depois de elaborar uma primeira versão do projeto, o Ministério da Justiça submeteu à consulta pública quando recebeu cerca de 700 contribuições da sociedade civil e do empresariado. Encontros internacionais na busca de referências sobre o tema foram feitos, especialmente na Europa — o último foi no mês passado em Bruxelas, na Bélgica. “Precisamos alinhar nossa norma com a legislação internacional. No Brasil essa é uma discussão recente, mas a Alemanha, por exemplo, tem legislações sobre o tema desde 1970”, afirma Juliana.
Apesar de o órgão do Ministério da Justiça estar finalizando a proposta, ainda deve demorar para ela entrar em vigor. Depois de analisada pela Casa Civil da presidência da República, o anteprojeto segue para a Câmara dos Deputados e em seguida para o Senado Federal. Outra passagem pela Câmara pode ser necessária caso o projeto seja modificado por senadores. Por fim, o PL segue para sansão presidencial para só então iniciar-se o período de adaptação das empresas para as novas normas.