Não foi por acaso que a presidente Dilma Rousseff escolheu esta sexta-feira, 15, para o lançamento do Plano Nacional de Consumo e Cidadania, o Plandec, pois a data coincide com o Dia Mundial dos Direitos do Consumidor. No pacote de normas está um decreto presidencial que pretende dar mais transparência às compras feitas pela internet.
As lojas online (webstores) foram um dos três segmentos do comércio destacados como prioritários para o primeiro pacote da nova política — os outros dois foram as instituições financeiras, como bancos e administradoras de cartões de crédito, e os serviços regulados, como telefonia e eletricidade —, por estar entre aqueles com o maior número de reclamações nos Procons ou que têm menos leis que os disciplinem.
Segundo a presidente Dilma, a escolha se deu pela importância cada vez maior do setor, ainda pouco regulado na economia brasileira. "Acreditamos que o comércio eletrônico terá grande importância para o país, por isso necessita de mais transparência, de qualificar os direitos do consumidor, fortalecer esse comércio que será uma parte importante do comércio do futuro", afirmou ela.
Três medidas farão parte do decreto que será publicado nos próximos dias. A primeira é a exigência de maior detalhamento em relação aos produtos e serviços ofertados em lojas virtuais. A intenção do governo é melhorar a capacidade de escolha do consumidor quando precisa comprar algo que não está fisicamente diante de si. Além disso, elas serão obrigadas a criar um canal direto de comunicação com o consumidor, respondendo dúvidas e reclamações. "Vivemos uma realidade hoje em que muitos clientes enfrentam problemas com suas compras e não dispõem de um canal eficaz para entrar em contato com a loja", pontuou a secretária Nacional do Consumidor, Juliana Pereira.
O terceiro ponto será a regulamentação da devolução dos produtos. A partir de agora, o consumidor que não ficar satisfeito com o produto adquirido por meio virtual terá sete dias para devolvê-lo, e as empresas precisarão obrigatoriamente criar métodos simplificados para que ocorra essa devolução.
Para o advogado especialista em direito digital Renato Opice Blum, o que a nova legislação traz é um reforço às normas já existentes de maneira implícita no Código de Defesa do Consumidor (CDC). "Não havia no Brasil normas específicas para o comércio eletrônico, que precisava adaptar, interpretar as leis já existentes", afirma.
Assim, ele diz que não deve haver muitas mudanças para o setor, além de uma simplificação da legislação. "Algumas questões que antes eram implícitas agora são explícitas", explica Opice Blum. "A obrigatoriedade de um canal de comunicação, por exemplo, já existia no artigo 18 do CDC, mas agora a legislação deixa claro a sua obrigatoriedade em lojas virtuais", diz o advogado.
As medidas, contudo, não devem afetar diretamente as lojas de compras coletivas, que estão entre as que mais têm recebido reclamações nos Procons. "As empresas de cupons de desconto são, na verdade, intermediadoras da compra, portanto, não são consideradas exatamente uma forma de comércio eletrônico", afirma o especialista.
Contudo, Opice Blum acredita num efeito indireto da nova legislação nas relações de consumo de compras coletivas. "Nesse caso trata-se de um problema de desconhecimento da população, que acaba criando certas expectativas que não condizem com a realidade", afirma. "Nesse sentido, a lei terá um efeito didático muito positivo, pois ajudará o consumidor a compreender melhor seus direitos."
Avaliação positiva
Com foco na transparência entre empresas e consumidores, a nova legislação também foi bem recebida por empresários. Para Maurício Salvador, presidente da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm) o decreto é um reconhecimento da importância do setor para a econômica do país. "Avaliamos de forma positiva a nova lei, já que ela coloca o e-commerce na pauta do governo", afirma.
Para ele, o programa federal será um estímulo às boas empresas do setor e diminuirá a desconfiança de parte da população em relação ao e-commerce. "A legislação ajudará a coibir a atuação de lojas mal intencionadas. Quanto mais transparência, menos problemas de fraude. A maioria das boas empresas já adotava as práticas previstas na nova lei", afirma.
A legislação também ajuda resolver impasses como, por exemplo, quanto tempo o cliente tem para devolver um produto. "Antes havia uma dúvida se os sete dias para desistência valiam a partir da realização da compra no site ou da entrega do produto. No caso do e-commerce muitas vezes quando o tempo terminava o cliente ainda sequer tinha recebido o produto", comenta. Agora o prazo para devolução é iniciado quando o produto é recebido.
Salvador pondera, no entanto, que algumas empresas, especialmente as menores, precisarão de um prazo e de investimento para se adequarem. "Noventa por cento das empresas usam tecnologia terceirizada, e elas precisarão investir em ferramentas para se comunicar com o consumidor, e facilitar a devolução de produtos, por exemplo. Mas o saldo é positivo."