Amanhã termina a edição 2024 da SXSW, feira tradicionalíssima da tecnologia e criatividade baseada no Texas. Antes mesmo de seu fim já mergulhamos no relatório de tendências da futurista de carteirinha do evento, Amy Webb, CEO e estrategista chefe do Future Today Institute.
No seu relatório de 2024, o FTI de Amy defende que o mundo está em ponto de inflexão para aquilo que chamam de novo superciclo tecnológico. Segundo a futurista, 3 fenômenos tecnológicos, com status de tecnologias de propósito geral, emergem nessa década: (i) inteligência artificial; (ii) ecossistemas conectados; e (iii) biotecnologia.
Tecnologias de propósito geral são aquelas que têm aplicação ampla na sociedade (eg. eletricidade, motor a vapor e internet) e, portanto, capacidade de gerar impactos econômicos multiplicadores. O que torna o momento especial, a ponto de gerar o tal superciclo, é que as três TPGs apontadas por Amy, além de se retroalimentarem, maturam mais ou menos no mesmo período.
A inteligência artificial gera incentivos para a coleta de dados por meio de ecossistemas conectados (eg. wearables, IoTs, devices), tudo para fazer com que as capacidades do machine learning saltem da linguagem (large language models), para o mundo real (large action models). Em outras palavras, os novos sistemas baseados em IA, dependerão de nossos dados de interação com o mundo real para tentar prever nossas ações futuras e sugerir alternativas. Sairemos da tela do computador que gera novos textos, para a tela de nossos wearables que sugerem possíveis ações e condutas.
De outro lado, a mesma inteligência artificial que gera texto, gera códigos de DNA ou novas cadeias de proteína. A novidade acelera o desenvolvimento de novas matérias primas e produtos de matriz biológica. Curiosamente, uma das aplicações mais promissoras serão os computadores biológicos que possibilitarão o avanço da própria inteligência artificial que ajudou a cria-los, principalmente no que se refere ao ganho de eficiência energética.
Futuristas e artistas têm muito em comum. O principal ponto que os aproxima é que ambos desafiam a sociedade a explorar os limites do que é convencional. O mictório instalado no museu como obra de arte (Fountain, Marcel Duchamp, 1917) não é, nesse sentido, muito diferente da previsão de Amy para os large action models e a transposição da IA para o mundo físico.
Nesse sentido, assim como o susto provocado pela "instalação mictório", a simples sugestão de superciclo desperta reações que evidenciam o mundo em estado de FUD (fear, uncertainty and doubt). Mudanças tão velozes e tão profundas geram incertezas e dificuldades na tomada de decisões seja por empresas, pelo governo ou, mesmo, pelo cidadão comum.
Por outro lado, a tendência que passa longe da incerteza é que em mundo tão profícuo em matéria de possibilidades, surjam incentivos poderosos para a regulação das novas tecnologias e de seus usos. Essa é, afinal, uma máxima do direito regulatório: inovação gera regulação. Outra tendência inescapável, é que o FUD dos riscos regulatórios, seja apaziguado por gestão de riscos que navegue por verdadeira matriz integrada por regulações de origens e contextos diversos.
O superciclo tecnológico gerará superciclo econômico e de inovação, que será seguido, como consequência natural, por movimentos regulatórios voltados à mitigação de riscos. O AI Act aprovado essa semana pelo parlamento europeu é, em certa medida, o precursor deste movimento.
Nessa terra de superciclos; nessa realidade tão nova e tão vasta, não haverá certo e errado marcados ou marcantes. Será um mundo de incertezas controladas e mitigadas. Sobreviverá quem souber nadar de forma elegante pelo mar cinzento das infinitas possibilidades sem engolir água.
Gustavo Artese, titular da Artese Advogados.