A ministra do STJ, Fátima Nancy Andrighi, responsável pelo julgamento de dois únicos processos sobre retirada de conteúdo da internet que chegaram aos tribunais superiores, adverte que essas questões não podem ficar apenas nas mãos do Poder Judiciário e que a lacuna legal dificulta o trabalho da Justiça. "Peço desculpas aos que entenderam diferente, mas foi o melhor que o meu coração e o meu senso de trabalho puderam fazer. Temos dificuldade em acompanhar as inovações. Essas decisões foram tomadas sem base legal", reconhece ela.
A ministra, que informou ter 37 anos de magistratura, fez a sua "mea culpa", mas as suas decisões, segundo Ronaldo Lemos, professor da FGV, foram ao encontro do entendimento internacional sobre a responsabilidade do provedor de conteúdo em relação ao conteúdo de terceiros: ou seja, isentaram o provedor de conteúdo de eventuais danos causados, seja por calúnia ou difamação ou pela publicação de conteúdo que infringe direitos autorais. Mesmo assim, a ministra informa que os processos motivaram ofensas pessoais a ela com "palavras do mais baixo calão".
Mas nem sempre a decisão judicial isenta o provedor do conteúdo. Ronaldo Lemos, que é fundador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV, lembra do caso da modelo Daniela Cicarelli, que conseguiu na Justiça o bloqueio do YouTube. Ou a condenação de um blogueiro em R$ 16 mil por comentário postados por terceiros em seu blog. "Sem parâmetro legal, há insegurança jurídica tanto para usuário quanto para empreendedores", diz ele. Além disso, a falta de uma lei sobre o assunto propicia o surgimento de decisões divergentes. "A ausência de lei não leva a uma absoluta liberdade, porque os juízes são chamados a decidir e sem um padrão temos muitas divergências", diz ele.
Nos EUA, um dos poucos países que normatizou a questão da retirada de conteúdo, funciona o sistema de notice and take down para os conteúdos que infringem direitos autorais. Nos casos de calúnia ou difamação (tipicamente cometidos em redes sociais), está estabelecido que não há responsabilidade do provedor de conteúdo. Se o ofendido quiser algum tipo de reparação, ele tem de processar aquele que o ofendeu, não o provedor de conteúdo.
No que se refere aos casos de calúnia e difamação, o Marco Civil da internet está alinhado com a legislação norte-americana. O projeto brasileiro, por outro lado, não tratada da questão da violação de direitos autorais, embora haja quem defenda que isso deveria ser abrangido pelo Marco Civil, como é o caso da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert).
Enquanto o Marco Civil está engavetado, Ronaldo Lemos, da FGV, chama a atenção para o surgimento de centenas de outros projetos sobre Internet, "nenhum deles com a profundidade e a seriedade do Marco Civil".