Há uma magnífica oportunidade para o Brasil transformar-se numa referência de alta produtividade pelo uso da tecnologia da informação como diferencial competitivo. Mas para apropriar-se dessa situação é necessário superar os problemas do atual modelo setorial e do desalinhamento do papel do governo com a atuação das empresas no setor de software.
A ABES entende que a iniciativa do Plano TI Maior amplifica esta oportunidade para o país dar um salto sustentável de desenvolvimento baseado em ganhos de produtividade e na inovação gerados a partir do domínio diferenciado de tecnologia da informação de classe mundial. Mas somente a união das empresas de software e Governo Brasileiro sob uma mesma visão e propósitos, poderá construir esta nova fronteira do desenvolvimento nacional.
Para melhor entendimento da dicotomia entre esta grande oportunidade e a realidade diametralmente oposta entre o crescimento do mercado e as fragilidades do atual modelo setorial, seguem em destaque os principais pontos deste contexto:
1. A economia brasileira precisa de TI para continuar ganhando produtividade e ser cada vez mais competitiva;
2. O segmento de software e serviço, que representa mais de USD 21 bilhões vem crescendo a uma média de 20% ao ano nos últimos oito anos, deve triplicar esse mercado até o final da década;
3. Ao mesmo tempo a balança comercial do setor fica cada vez mais negativa com déficit superior a USD 3,0 bilhões, em 2011;
4. Faltam cerca de 100 mil profissionais no mercado pela falta de qualidade na educação do país. Sobra mão-de-obra de qualificação insuficiente enquanto o país precisa de mais inteligência e técnicos de formação superior, pós-graduados e doutores;
5. Mesmo assim, o modelo setorial continua sendo direcionado para o atendimento de serviços sob encomenda, superando a 70% de participação de market share, ampliando o colapso de mão-de-obra especializada e comoditizando o principal ativo do setor que é o conhecimento de pessoas qualificadas que continua sendo vendido pelo custo hora/homem mais competitivo;
6. Nesse cenário, o software nacional remanesce com apenas 7% de participação no atendimento do país e não há nenhum aplicativo brasileiro relevante no cenário internacional;
7. Ao mesmo tempo, o Governo, principal consumidor de software e serviços, continua com uma forte política de auto atendimento que alcança cerca de 2/3 de sua demanda estimada em 30% do mercado, assumindo o papel de maior empresário, empregador e concorrente do setor;
8. Sua opção e preferência por software livre que corresponde a menos de 4% de todo mercado, com 70% gerado pelas compras do Governo neste segmento irrelevante, e a preferência por comprar serviços no lugar de software, desestimula ainda mais o fortalecimento do software nacional, amplia o gap de mão-de-obra, o déficit da balança comercial e desperdiça seu poder de compra para transformar a forte demanda que continuará crescendo nos próximos anos em fortalecimento da IBSS – Indústria Brasileira de Software e Serviços de TI;
9. Conforme pesquisa do IDC, a produtividade de uma empresa que utiliza software livre, que em média dura menos de um ano no Brasil, é 34% menor que suas similares de software proprietário, comprometendo ainda mais a utilização da escassa oferta de técnicos especializados;
10. Por outro lado, nunca tantas empresas brasileiras de TI tiveram seu capital social negociado. Nesse cenário de mercado com demanda crescente, as poucas maiores e melhores empresas brasileiras vêm sendo sistematicamente internacionalizadas, resultando em quatro anos de liderança no ranking de fusões e aquisições da KPMG.
Recentemente, o governo lançou o Programa Estratégico de Software e Serviços de Tecnologia da Informação (Plano TI Maior). Com destaque nesse programa, foi apresentada a proposta para uma metodologia de certificação de software e serviços associados, a CERTICS, necessária para que as empresas pudessem ter preferências previstas em lei nas compras públicas.
Se analisada isoladamente, a proposta da certificação foca e dá importância a uma solução criada sem uma definição exata do seu objetivo: o fortalecimento da IBSS – Indústria Brasileira de Software e fomento ao software nacional pelo apoio à inovação, atração e liberdade de mercado para tecnologias e empresas world class, que trazem valor à cadeia setorial e produtividade ao país.
A questão central é que não existe uma definição objetiva e clara do que seria “Software Nacional”, premissa para determinar o acesso ao benefício descrito no parágrafo 5º, do art. 3º, da Lei 8.666/93, para depois receber o certificado na categoria “software com desenvolvimento e inovação tecnológicas realizados no País”, passando, assim, a usufruir também da margem de preferência adicional (§ 7º do art. 3º, da Lei 8.666/93).
Uma metodologia de certificação não deve acrescentar necessariamente valor ou evolução a nenhum dos objetivos acima, especialmente se não estiver direcionada ao atendimento dos supostos objetivos. A CERTICs sem uma política adequada apenas aumenta o custo Brasil para as empresas sem acrescentar qualquer valor ao software nacional.
Significa dizer também que, além da certificação e das outras ações associadas ao citado programa estratégico, já noticiadas pelo MCTI – Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, algumas atividades e decisões políticas corajosas e inovadoras carecem ser implementadas para que o resultado almejado com o programa TI Maior seja alcançado e, com isso, contribuir para que o apregoado Programa estratégico atinja seu objetivo, que deve ser uma Política Destinada ao Fortalecimento da IBSS e do Software Nacional integrada ao mercado e padrões globais de TI, consistentes em propostas complementares de políticas que possam, efetivamente, fomentar o setor e elevar a qualidade e participação do Software Nacional no atendimento do mercado interno e nas exportações.
No intuito de melhorar a proposta da CERTICs, observadas as demais recomendações para fortalecimento do plano TI Maior, a ABES participou junto com outras entidades setoriais da formulação de uma proposta mais evoluída deste processo, para que atendesse plenamente a legislação e viabilizasse a certificação e benefícios da preferência de compras do Governo para a grande maioria do segmento de MPE – Micro e Pequenas Empresas que deveriam estar inviabilizadas de atender os requisitos e procedimentos da proposta original. Este documento foi entregue em 12/12/2012 em mãos ao MCTI pelos representantes da FNTI (ABES, ASSESPRO, FENAINFO e SOFTEX)
Além da questão central acima descrita, a ABES destaca outros temas e problemas para a implantação do Programa TI Maior, que necessitam do posicionamento do Governo:
• Não há uma definição objetiva e clara do que seria “Software Nacional”;
• Os recursos e forma de incentivos a start-ups não são proporcionais ou suficientes nem sequer representativos para fomentar o mercado;
• O projeto não esclarece se o governo vai dar preferência ao Software Nacional, em detrimento dos 10 anos de insistência de preferência ao Software Livre;
• Não define um novo papel e universalidade de acesso e divulgação do Software Nacional no Portal do Software Público. O legítimo software nacional proprietário vai continuar sendo impedido de ter acesso ao Portal do Software Público?
• Perigo de superficialidade de compromissos com inovação e desenvolvimento de empresas e tecnologia nacional ou de Software Nacional, quando trata da atração de centros de P&D de plataforma internacionais, necessários para a inserção do software nacional na cadeia global de fornecedores de software;
• Falta clareza se o TI Maior e seus planos estarão de fato alinhados ao fomento ao Software Nacional, buscando mais equilíbrio entre um mercado baseado em soluções e serviços, para potencializar o conhecimento brasileiro de tecnologia da informação;
• Alocação insuficiente e por vezes insignificante de recursos para atingir os objetivos anunciados.
Para potencializar os efeitos e intenção do plano TI maior, a ABES propõe algumas sugestões e ações complementares ao Programa Estratégico de Software e Serviços de Tecnologia da Informação:
• Redução da base de cálculo de IRPF (Imposto sobre a Renda da Pessoa Física) e CSSL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) de 100% dos recursos aplicados como capital de risco em projetos de start-ups registrados no MCTI ou entidade competente;
• Incentivo direto à comercialização e inovação do Software Nacional pela isenção de impostos federais sobre receita de licenças perpétuas ou licenças de uso temporárias de assinaturas de software comercializado como serviço via internet;
• Aceitar Software Nacional registrado no INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) e/ou contratos de venda de licenças de uso e serviços associados como garantia de empréstimo ou securitização de recebíveis de financiamento para o setor com taxas competitivas no padrão internacional (Libor);
• Vincular os programas de subvenção a compromissos de geração de registro de propriedade intelectual e comprometimento de vendas em até três vezes o valor tomado em até cinco anos do término do projeto.
A ABES defende que o melhor ambiente de mercado é aquele competitivo, que fomente as boas ideias e empresas competentes, sem preferências e privilégios. Contudo, se para atender a legislação e políticas de fomento do país há que se estabelecer preferências, que estas sejam exclusivamente direcionadas ao software nacional e à inovação, considerando as combinações possíveis e necessárias dos aplicativos com as tecnologias e empresas de ponta do cenário global de TI, indiferente de plataformas proprietárias ou abertas.
Gérson Schmitt, presidente da ABES