Senacon suspende 180 empresas por telemarketing abusivo

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As atividades de telemarketing abusivo de 180 empresas brasileiras estão suspensas a partir desta segunda-feira, 18. A ação é coordenada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), por intermédio da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), e conta com a parceria dos Procons de todo o Brasil, com o objetivo de pôr fim às ligações que oferecem produtos ou serviços sem autorização dos consumidores. Tais abordagens são, em sua maioria, realizadas com dados obtidos de maneira ilegal. 

A medida é aplicada, também, em face das empresas de telecomunicações e das instituições financeiras, por serem os segmentos líderes do ranking das reclamações relativas às ligações indesejadas de telemarketing, segundo os dados constantes da plataforma do consumidor.gov.br 

Casos 

A decisão foi tomada com base na quantidade de reclamações registradas no Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec) e no portal consumidor.gov.br – 14.547 nos últimos três anos. Para se ter uma ideia, em um dos casos apurados pela Senacon, um idoso alegou ter recebido mais de 3 mil ligações de telemarketing nos cinco números de telefones que possuía.   

Estão excluídos da decisão os demais tipos de telemarketing. Como o passivo, também chamado de receptivo – aqueles em que os clientes ligam para a central. Os que tratam de cobranças, de doações e ainda os que são autorizados pelos consumidores. 

Ilegal 

A partir da análise das reclamações, a Senacon concluiu que os dados utilizados pelas empresas para a prática de telemarketing não foram fornecidos pelos consumidores e nem passados às mesmas a partir de uma base legal existente. Ou seja, há indícios da prática do comércio ilegal de dados pessoais. 

Multa 

Os serviços ficam suspensos de forma permanente. As empresas que não cumprirem a determinação estão sujeitas à multa diária de R$ 1.000,00, que poderá chegar a R$ 13 milhões por empresa, se houver condenação ao final dos processos que já foram, e ainda serão instaurados pela Senacon e pelos Procons de todo o país.  

Canal aberto 

Em breve, também será disponibilizado aos consumidores um canal de comunicação direto com a Senacon para denunciar as empresas que continuarem a realizar ligações de telemarketing abusivo, após a aplicação desta medida. 

Especialistas comentam 

A especialista em Direito do Consumidor e sócia-fundadora do PG Advogados, Ellen Gonçalves Pires, informa que a medida é de grande impacto, sendo necessário levar em conta diversos fatores "É preciso muita serenidade e razoabilidade para analisar as consequências desta suspensão, pois seu impacto é multistakeholder. Ela afeta não apenas as empresas de call center e suas clientes, mas também a economia de modo geral", destaca.

Mesmo com os esforços da Senacon na implementação do prefixo 0303, que identifica as chamadas de telemarketing ativo e o "Não me Perturbe", é possível constatar um aumento das reclamações sobre o número de ligações provenientes de call centers, ainda que sem a autorização dos consumidores.

De acordo com a especialista, o aspecto que deve ser questionado sobre a decisão da Senacon não é o direito legítimo das empresas em ofertar seus produtos e serviços, mas sim, o uso excessivo deste recurso.

"Nossa constituição elenca a defesa do consumidor como direito fundamental e ao mesmo tempo como princípio da ordem econômica. Por isso, o equilíbrio nas relações de consumo só será alcançado mediante o diálogo de todos os envolvidos. Práticas abusivas devem sim ser combatidas e ao fazê-lo não se pode desequilibrar as relações de consumo e impactar negativamente a economia. O telemarketing ativo é uma importante ferramenta no cenário econômico, portanto, o debate em torno desta matéria deve ser amplo e cuidadoso", destaca a especialista.

Impactos trabalhistas

Segundo a Associação Brasileira de Telesserviços, o setor emprega 1,4 milhão de pessoas. A proibição adotada pode ocasionar grande volume de demissões de trabalhadores das empresas de call center. Diante desse contexto, a head de Relações Trabalhistas e Digital do PG Advogados, Érika de Mello, afirma que o momento socioeconômico do País exige uma busca pela harmonização das relações de consumo, mas com visão sistêmica.

Segundo Érika, a suspensão dos serviços de telemarketing poderá impactar a oferta de empregos para pessoas com pouca experiência no mercado de trabalho. "As empresas de telemarketing estão entre os maiores empregadores do País e são responsáveis por grande parte dos primeiros postos de trabalho ocupados por muitas pessoas", destaca.

A especialista alerta também que o viés trabalhista da medida terá que ser tratado de forma urgente e estratégica pelas empresas afetadas, seus contratantes e inclusive pelos órgãos envolvidos no debate "Ela pode gerar desde um recuo na criação de novos postos de trabalho até uma onda de demissões e ações trabalhistas de grandes proporções que pode atingir não só as próprias empresas de telemarketing, mas as empresas tomadoras do serviço, que de acordo com a legislação também assumem responsabilidade sobre os direitos dos empregados", reforça a advogada.

"É imprescindível que se analise o cenário e as medidas que serão adotadas por todos os envolvidos também por essa perspectiva, pois as ações e reações são sistêmicas e devem ser harmonizadas para atingimento do objetivo de proteção do consumidor de forma eficiente e sustentável, mensurando os impactos positivos e negativos que recairão sobre todas as partes interessadas em seus diversos contextos", pondera Érika de Mello.

Superendividamento 

Outra preocupação da Senacon é com o constante assédio das instituições financeiras a idosos para oferta de empréstimo consignado, população que em grande parte está em situação de vulnerabilidade social. Sobre o tema, a entidade chegou a abrir investigação contra 10 grandes bancos para apurar "possíveis abusos" e a "exploração da hipervulnerabilidade do idoso".

A investigação culminou na emissão da Nota Técnica no 28/2020, que prevê uma cooperação técnica entre a Senacon, o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e o Banco Central para promover modificações no telemarketing ativo e no empréstimo consignado para aposentados. Na ocasião, os bancos se comprometeram a aderir ao "Não me Perturbe", como forma de reduzir o número de ligações aos beneficiários do INSS.

Com a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) foi acordada uma autorregulação para mitigar o problema do superendividamento dos idosos, com mais acesso à informação, a possibilidade de bloqueio das ligações de telemarketing ativo e ainda o monitoramento das reclamações, bem como o combate ao assédio comercial e qualificação de correspondentes.

De acordo com o site consumidor.gov.br, o número de reclamações relacionadas a crédito e cartão consignado para beneficiários do INSS representa 4,95% do total de registros feitos na plataforma. O dado corresponde a 35.721 reclamações somente entre janeiro e junho de 2022. Se compararmos com o mesmo período do ano anterior é possível perceber uma redução no número de reclamações que representava, na ocasião, 7,11%, e um total de 49.400 registros.

Na opinião da advogada especialista em Direito do Consumidor Ellen Gonçalves Pires, a redução do número de reclamações de aposentados e pensionistas na plataforma consumidor.gov.br, na comparação entre 2021 e 2022, "demonstra que a movimentação para a adequação dos atores envolvidos no problema apresenta resultados positivos". Para Ellen, "este é o caminho, o da cooperação multistakeholder".

Anatel 

Em abril deste ano, a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) tornou obrigatório o uso do prefixo 0303 nas ligações oriundas de telemarketing ativo. A medida foi colocada em prática por muitas empresas, mas as ligações continuaram e, em alguns casos, o prefixo não foi adotado, conforme afirmou a decisão da Senacon.

Outra medida implementada pela Anatel em junho deste ano foi a proibição do uso de robôs para fazer as ligações, o que permitia um maior volume de chamadas telefônicas, e o bloqueio dos números de empresas que extrapolam o limite de 100 mil telefonemas por dia.

A plataforma "Não me Perturbe" já recebeu o registro de mais de 9 milhões de consumidores que optaram por não receber ligações de telemarketing ativo. Contudo, mesmo com a criação do sistema, que deveria evitar essas ligações, alguns consumidores continuaram recebendo ligações após o registro na plataforma.

O que diz a LGPD?

De acordo com a decisão, para que as empresas possam realizar o serviço de telemarketing ativo é necessária a autorização expressa dos consumidores. Mas para as advogadas Ellen Gonçalves Pires e Érika de Mello, a forma como esse procedimento deve ser feito ainda é passível de debate.

"Apesar de a Senacon mencionar que as empresas precisam de autorização expressa do consumidor, as ações de telemarketing têm sido realizadas não só com base em consentimento dos indivíduos, mas também com base no legítimo interesse da empresa, no entanto, nos parece que o que entra em pauta são as medidas implementadas pelas empresas para resguardarem limites que preservem a intimidade das pessoas", finaliza Érika de Mello.

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