A relação entre o aumento da penetração da banda larga e a taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) per capita para os países em desenvolvimento é de 1 ponto percentual na banda larga para 0,138 ponto percentual no PIB. Além do crescimento econômico, a ampliação do número de acessos gera impactos em inúmeras áreas específicas, como educação, saúde, energia e transportes, além de estimular o ambiente de negócios.
Esse vínculo é estabelecido pelos pesquisadores João Maria de Oliveira e Calebe de Oliveira Figueiredo, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Eles desenvolveram um estudo que analisa, diante da importância do acesso à internet em banda larga para o desenvolvimento econômico, quais características desempenham um papel preponderante na demanda por conexões de banda larga fixa no Brasil. O estudo foi publicado no Boletim Radar nº 30, divulgado nesta quarta-feira, 18, em Brasília.
A análise aponta uma relação positiva entre o aumento da densidade de acesso à internet em banda larga. Assim, como muitos países têm adotado políticas de fomento visando o aumento do serviço de provimento de acesso à internet em banda larga, os autores citam o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), lançado em 2009 pelo governo federal, além de diversas medidas regulatórias como a Lei do Serviço de Acesso Condicionado, o Plano Geral de Metas de Competição (PGMC), da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), e as desonerações tributárias para o investimento em infraestrutura de rede. Contudo, eles observam que, apesar do crescimento do acesso experimentado nos últimos anos, um dos principais desafios do PNBL permanece: as desigualdades regionais quanto à oferta e à demanda de acesso são imensas, conforme apontadas pelo Ipea (2010).
De acordo com o estudo, as regiões Norte e Nordeste, os pequenos municípios e as áreas rurais carecem de infraestrutura de banda larga fixa. As desigualdades podem ser resultado da baixa atratividade diante da renda limitada da população e do alto custo de instalação, mas também podem ser uma consequência da baixa competição, ou mesmo de deficiências do marco regulatório atual.
A competição no mercado de banda larga adiciona mais complexidade ao cenário, especificamente no caso brasileiro. A questão-chave, segundo os autores, é a dicotomia entre a promoção da competição versus a realização de investimentos. Por um lado, para promover a competição, a regulação facilita a entrada de novos agentes. Um exemplo é a obrigatoriedade do compartilhamento de infraestrutura existente. Por outro lado, esse tipo de regulação pode inibir os investimentos futuros, pela perspectiva de menores retornos.
Mal no ranking
Existem ainda outras evidências preocupantes sobre o preço e a oferta de banda larga, mesmo diante de alguns avanços, aponta o estudo. Em 2012, o país alcançou a posição de sétima economia do mundo, em termos de PIB, conforme o Banco Mundial. Todavia, em termos de desempenho das telecomunicações, a União Internacional das Telecomunicações (UIT), utilizando o IDI, classificou o Brasil em 60º lugar, em 2011, com IDI 4,72. IDI é a sigla para ICT (Information and Communication Technologies) Development Index, índice que avalia o comportamento de 11 indicadores que representam o acesso às tecnologias da informação e comunicações – TICs (40%), o acesso à internet em banda larga (40%) e a capacidade para usufruir das TICs (20%).
Segundo a mesma fonte, neste ano, o melhor IDI foi o da Coreia do Sul (8,56). Países com características geográficas e econômicas similares às brasileiras ficaram mais bem posicionados. A Austrália e o Canadá ocuparam, respectivamente, a 21ª e a 22ª posição (7,05 e 7,04 respectivamente), enquanto a Federação Russa ocupou a 37ª (6). O Chile e a Argentina também, na 55ª e 56ª posição respectivamente (5,01 e 5). Oliveira e Figueiredo ressaltam ainda que, entre 2007 e 2009, o Brasil ocupava a mesma posição, tendo caído em 2010 para a 67ª (4,17), recuperando-se em 2011.
A UIT também faz um ranking considerando a cesta de preços de serviços de telecomunicações, expressos em termos de porcentagem do PIB per capita. No ranking de 2011, o Brasil ocupou a 93ª posição — 4,1% do PIB per capita —, entre 161 países. Assim como no indicador anterior, o país está bem abaixo de outros, tais como Austrália (1%), Federação Russa (1,1%) e Canadá (0,9%). Nesse contexto, dadas a relevância comprovada da banda larga e a conjuntura apresentada, o trabalho analisa quais características desempenham um papel preponderante na demanda por conexões de banda larga fixa, para assim entender que fatores podem ser influenciados para que seja aumentada a disponibilidade de internet nos municípios.
Densidade baixa
O estudo apresenta dados sobre a banda larga fixa no Brasil entre 2010 e 2012, incluindo o índice de concentração da oferta nesse mercado. Amplamente utilizada, a densidade de acessos à internet em relação à quantidade de habitantes se configura como medida de penetração do uso da banda larga fixa.
No Brasil, a densidade de acessos cresceu 42,1% entre 2010 e 2012, alcançando 10,05 acessos por cem habitantes. No entanto, este valor ainda é baixo se comparado com outros países. Conforme a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, 2013), a média de seus países-membro para este indicador, no mesmo ano, é de 26,29 acessos por cem habitantes. Países como o Canadá (32,44) e a Austrália (25,2), com características semelhantes ao Brasil, têm valores muito superiores.
Contudo, os desníveis entre estados e regiões ainda são significativos. De um lado, estão estados como Amapá e Maranhão, com baixa densidade, 1,58 e 1,87 respectivamente, e de outro, estão São Paulo e Rio de Janeiro, com 18,0 e 13,57. O desnível fica mais evidente quando se observa a densidade por regiões. O Norte e o Nordeste estão no patamar mais baixo (3,23 e 4,0 respectivamente); o Centro-Oeste, em patamar intermediário (8,65); enquanto o Sul e o Sudeste apresentam densidade superior a três vezes às primeiras (12,26 e 14,59).
Além da perspectiva dos estados e das regiões, a tabela abaixo apresenta a densidade de acessos por faixa de porte dos municípios, conforme classificação adotada pelo IBGE. Esta tabela demonstra ainda o crescimento expressivo do acesso à internet no período analisado. Esta expansão é indicada também pela quantidade de municípios sem acesso. Em 2010, eram 462 municípios, contra apenas dois em 2012.
Todavia, fica evidente que os menores municípios têm as mais baixas densidades de acesso. Os municípios com mais de 500 mil habitantes possuem seis vezes mais acessos que aqueles com até 20 mil habitantes. Considerando-se os municípios com 50.001 e 100 mil habitantes, o acesso é 2,75 vezes maior nas grandes cidades brasileiras. A desigualdade de acessos é tão expressiva que, ao se compararem os municípios das faixas de 1 a 5 — municípios com até 100 mil habitantes —, o que corresponde a 44,9% da população, ou 94,8% dos municípios brasileiros, verifica-se a densidade de acessos de 2,66.
Competição fraca
Outra medida importante para caracterizar o mercado de oferta de acesso à internet em banda larga fixa é o grau de competição existente. Para tanto, o estudo lança mão do Índice de Herfindahl-Hirschman (HHI), largamente utilizado para medir o grau de concentração de mercado em diversas atividades. A principal hipótese na qual se baseia o HHI é que o poder de mercado está diretamente relacionado ao grau de concentração deste mercado. O HHI, calculado para cada município, avalia a concentração da participação das empresas que ofertam conexões de banda larga fixa.
Para avaliar com mais precisão o mercado brasileiro de banda larga fixa, a análise foi feita em duas dimensões. No gráfico 2, que apresenta a concentração deste mercado de 2010 a 2012, fica evidente que em 87,7% dos municípios brasileiros o mercado pode ser considerado como concentrado. O mesmo gráfico mostra também que a porcentagem de municípios com esta característica aumentou. Em 2012, 95% dos municípios brasileiros tinham mercado de oferta de banda larga fixa concentrado. A situação de monopólio real se apresenta em 48,1% dos municípios em 2010, embora esta proporção tenha diminuído nos anos subsequentes. Neste mesmo ano, somente em 4,3% dos municípios existia mercado considerado competitivo. Entretanto, a porcentagem de municípios sem oferta do serviço passou de 8,3%, em 2010, para 0,06% (dois municípios), em 2012.
Com o intuito de demonstrar melhor a concentração da oferta de banda larga fixa nos municípios brasileiros, o gráfico 3 apresenta o HHI, em 2012, para os municípios classificados com mercados concentrados. Nele, fica evidenciada a concentração nos menores municípios. Em mais da metade dos municípios com até 50 mil habitantes, o HHI está no nível em que a concentração se aproxima da situação de monopólio efetivo. Mesmo para aqueles municípios situados na faixa 5 — população entre 50.001 e 100 mil habitantes —, a proporção dos que se encontram na situação de monopólio é expressiva, 48%. O grau de concentração melhora acentuadamente nos municípios com mais de 500 mil habitantes.
Os municípios populosos tendem a apresentar um mercado consumidor mais pujante, assim como a população que mora em áreas urbanas tende a utilizar a internet com mais frequência e intensidade. Espera-se, também, que municípios com muitos jovens tendem a demandar mais serviços de telecomunicações, por causa da amplamente conhecida proficiência deles com novas tecnologias. A relação entre o número de conexões e a renda média da população foi diferente nas duas abordagens.
O HHI teve efeito negativo e significativo no número de conexões, indicando que as empresas de telecomunicações são menos incentivadas a ofertar mais conexões em ambientes pouco competitivos. A magnitude pequena do coeficiente se dá pelo fato de o HHI ter sido computado utilizando-se a participação de mercado em porcentagem.
No período analisado, a densidade da banda larga fixa por cem habitantes cresceu significativamente. No entanto, na comparação com outros países, percebe-se que o Brasil não conseguiu diminuir a distância com relação a países com características geográficas e econômicas semelhantes. Segundo a UIT, a posição brasileira de utilização das TICs, especialmente a banda larga, pouco mudou.
Apesar do crescimento experimentado pelo Brasil nos últimos anos, as desigualdades não diminuíram. Ao contrário, conforme os dados apresentados no estudo, elas aumentaram. Muito além da perspectiva regional das desigualdades, elas também se apresentam de maneira marcante quando se considera o efeito do tamanho da população dos munícipios. Por esse motivo, o estudo buscou analisar os determinantes da demanda por acesso à internet em banda larga fixa. Um deles é incentivar a competição entre as empresas de telecomunicações, pois a repercussão tende a ser menos complexa e de efeitos possivelmente mais previsíveis.
O tamanho da população e a proporção de jovens dependem da estrutura demográfica e não podem ser alteradas exogenamente pelo governo sem transbordamentos em outras áreas. As rendas média e mediana de cada município dependem de fatores macroeconômicos, que, tipicamente, se alteram suavemente ao longo do tempo. A proporção da população que mora em área urbana depende do nível de urbanização do município, e, no caso brasileiro, a grande maioria da população vive em cidades. Com isso, políticas públicas que atuem sobre o ambiente competitivo das empresas de telecomunicações, no sentido de fomentar a competição, parecem ser a alternativa mais plausível.
Entretanto, a ampliação da banda larga deve ocorrer no sentido de diminuir as desigualdades. Portanto, as ações de estímulo à competição devem considerar esta premissa: mais competição nos menores munícipios e nas regiões Norte e Nordeste.