Mais de duas horas depois de reunidos com líderes partidários para negociar a aprovação do marco civil da internet, os ministros José Eduardo Cardozo (da Justiça) e Ideli Salvatti (da Secretaria de Relações Institucionais) reafirmaram nesta quarta-feira, 19, a posição do governo de que não haverá recuo na defesa da neutralidade de rede. Em outros pontos, no entanto, o governo atendeu aos pedidos dos parlamentares, sob o argumento de deixar o texto mais claro.
De qualquer maneira, o governo terá que esperar até a próxima terça-feira, 25, pela votação da proposta, que, diferentemente do que queriam os ministros, não ocorrerá hoje. Além dos ajustes na redação do projeto, os líderes decidiram discutir por mais tempo a matéria. Com isso, o Planalto também ganha mais alguns dias para harmonizar a base aliada.
Com o acerto definido na reunião desta quarta, o projeto será alterado em dois pontos a pedido de líderes partidários. O relator do projeto, deputado Alessandro Molon (PT-RJ), vai fazer ajustes na redação sobre a regulamentação do princípio da neutralidade de rede, ponto mais polêmico do texto. Também será retirado do projeto o ponto que obriga as empresas estrangeiras a manter data centers no Brasil para armazenamento de dados.
A retirada dos data centers foi definida na noite de terça-feira, 18, quando líderes governistas se reuniram com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Já o ajuste sobre a neutralidade foi fruto de uma reunião de líderes realizada na manhã desta quarta-feira, 19, com todos os líderes, Cardozo, e a ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Ideli Salvatti.
Ponto principal do texto, a neutralidade de rede determina que os usuários sejam tratados da mesma forma pelas empresas que gerenciam conteúdo e pelas que vendem o acesso à internet. Ficará proibida a suspensão ou a diminuição de velocidade no acesso a determinados serviços e aplicativos e também a venda de pacotes segmentados por serviços — só redes sociais, só vídeos, etc.
O projeto, no entanto, dá à presidente da República o poder de regulamentar as exceções à regra para serviços de emergência ou segundo requisitos técnicos. A redação desse ponto será alterada para determinar que o decreto seguirá o que determina a Constituição. "Para deixar ainda mais claro que o decreto abrangerá apenas as exceções à neutralidade, fizemos a mudança", disse Molon. Ele garantiu que o poder de regulamentação do dispositivo será exclusivo da presidente da República.
O ministro da Justiça esclareceu que alguns líderes sustentaram que a redação original poderia permitir que o decreto tratasse de vários assuntos e, agora, a mudança limita a atuação da presidente à "fiel execução da lei", como diz a Constituição.
Cardozo ressaltou que a presidente Dilma Rousseff terá de ouvir a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e o Comitê Gestor da Internet antes de assinar o decreto. "Para ouvir tanto a sociedade quanto um órgão técnico", esclarece o ministro. A necessidade de ouvir esses setores deverá constar no projeto.
Críticas do PSDB
Apesar da mudança, as críticas à regulamentação da neutralidade de rede dominaram a discussão do projeto em plenário. Vários parlamentares do PSDB criticaram o poder dado ao governo para regulamentar o tema. O governo minimizou as críticas.
Para os deputados do PSDB, essa prerrogativa pode permitir a limitação da internet. "Com o decreto, a neutralidade deixa de ser neutra, porque alguém do governo haverá de distorcer a neutralidade", avaliou o deputado Duarte Nogueira (PSDB-SP).
Já o deputado Emanuel Fernandes (PSDB-SP) disse que o governo poderá usar o decreto "para o bem ou para o mal". "O decreto pode servir para impedir, ou melhor, para promover um oligopólio? Pode. O grande medo que há ao se abrir a porteira da regulamentação da internet é que isso pode ser feito para o bem ou para o mal", disse.
O líder da minoria, Domingos Sávio (PSDB-MG), também criticou esse ponto do projeto. "Esse decreto é uma pegadinha para fazer o que o Irã e o que a China fizeram — vetar conteúdo", criticou.
Defesa
O líder do governo, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), defendeu a proposta. Ele disse que a oposição estaria usando a regulamentação da neutralidade como justificativa contra o texto. "[A oposição] está tentando atribuir interesse menor ao ponto do projeto de fazer apenas o que a Constituição determina [a regulamentação da lei]", argumentou.
Apesar de ser da oposição, o líder do PSol, deputado Ivan Valente (SP), também defendeu o marco civil. "A lei precisa ser regulamentada, e isso não pode ser feito por outro processo que não seja decreto", disse. Para ele, a discussão da neutralidade está sendo contaminada pelas empresas de telefonia, interessadas na venda segmentada de acesso à internet. As informações são da Agência Câmara.
para incluir, na redação, por exemplo, que o decreto presidencial que vai regulamentar o princípio da neutralidade tratará apenas do que está previsto na lei e que, antes de ser publicado, passará pela análise do Comitê de Gestão da Internet (CGI.br) e da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
"O fato de os órgãos que expressam a opinião da sociedade e a opinião técnica apresentarem avaliações e contribuições é positivo e dá mais transparência ao decreto", avaliou Cardozo, acrescentando que a redação do projeto ainda será alterada para deixar claro que o decreto terá a finalidade exclusiva de executar o que está previsto na lei.
O princípio da neutralidade, um dos principais pontos discordantes do marco civil da internet, se transformou no maior impedimento para que a matéria seja votada no plenário da Câmara. Como tramita em regime de urgência constitucional, cujo prazo de votação se esgotou, enquanto seu processo legislativo não for concluído, nenhum outro projeto avança na Casa — o que tem ocorrido desde outubro do ano passado.
Pelo texto, o Executivo definiria por decreto as regras da neutralidade, depois que o projeto for aprovado. A previsão foi incluída pelo relator da matéria, Alessandro Molon (PT-RJ), a pedido do governo, como forma de garantir que nenhum usuário ficasse limitado ao acesso a alguns conteúdos por ter adquirido planos de conexão menos velozes ou mais baratos.
O problema é que, mesmo com mudanças na redação, partidos de oposição e o PMDB, um dos principais críticos do texto, também não pretendem recuar. O PMDB já tinha, inclusive, apresentado uma proposta, na semana passada, para se contrapor ao projeto de Molon, com apoio do DEM, que prevê a retirada da garantia de neutralidade.
"Defendemos que a neutralidade seja definida na lei e que não se dê esse cheque em branco para o Executivo [com a previsão de que o princípio seja definido por decreto presidencial]", disse o líder do DEM, Mendonça Filho (PE). Segundo ele, se não houver mudanças em relação a esse ponto, o partido apresentará destaques específicos para que os detalhes sobre essa medida estejam incluídos no texto da lei.
Cunha ainda promete bater em outro ponto do projeto. O líder do PMDB quer mais clareza sobre o artigo 20 da proposta, que assegura a liberdade de expressão e impede a censura na internet. Pelo texto, o provedor só poderá ser responsabilizado civilmente por danos causados por conteúdo publicado por terceiros após desobediência a ordem judicial para retirada da ofensa. Cunha disse que o artigo representa um retrocesso da lei.
O líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), explicou que todos querem a liberdade na internet, mas também defendem a penalização pela publicação de conteúdos ilegais. O equilíbrio entre censura e liberdade nesse universo deve esquentar o debate que começa na tarde de hoje em plenário. As informações são da Agência Câmara.
Notícia atualizada às 21h37.