Após receber contribuições ao longo de um ano da sociedade brasileira, o Plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou, nesta terça-feira (18/2), o conjunto das normas que irão nortear as condutas na utilização de inteligência artificial (IA) em todo o Poder Judiciário.
De relatoria do conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello, o Ato Normativo 0000563-47.2025.2.00.0000 foi aprovado, por unanimidade, durante a 1.ª Sessão Extraordinária de 2025. A nova regulamentação atualiza a Resolução CNJ n. 332/2020, que, há cinco anos, desenhou os primeiros parâmetros sobre o uso da IA pelos tribunais brasileiros.
O texto aprovado recebeu sugestões até os últimos momentos e, segundo informou o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, ainda serão permitidas retificações ou atualizações até o início da vigência da norma, em 120 dias. Barroso ponderou que não é tarefa fácil disciplinar o tema, em razão da velocidade das transformações tecnológicas, mas deu ênfase ao caráter democrático da construção do normativo.
"O conselheiro Bandeira coordenou o grupo de trabalho, fez audiências públicas e ouviu diferentes segmentos. Apresentou esta proposta de resolução, trouxe o seu voto na sessão passada e tivemos a oportunidade de debater alguns aspectos da resolução", ressaltou.
A nova resolução, como reforçou o ministro Barroso, é fruto de uma construção coletiva. A partir de uma minuta elaborada pelo GT instituído pela Portaria CNJ n. 338/2023 sob coordenação do conselheiro Bandeira, foram acolhidas as contribuições de conselheiros e conselheiras.
A norma traz orientações para diretrizes, requisitos e estrutura de governança para o desenvolvimento, o uso e a auditabilidade de ferramentas de inteligência artificial na Justiça, garantindo a conformidade com normas éticas, a proteção de dados pessoais, a mitigação de riscos e a supervisão humana no uso dessas tecnologias. No documento, o relator apontou ainda o objetivo de que o uso de IA no Judiciário seja realizado de forma segura e ética, para assegurar a transparência e a rastreabilidade das decisões automatizadas.
"Destacam-se a obrigatoriedade de supervisão humana, a classificação dos sistemas de IA conforme o nível de risco (baixo ou alto), a implementação de auditorias regulares e o reforço à Plataforma Sinapses para compartilhamento de soluções institucionais", aponta o texto, registrando ainda a criação do Comitê Nacional de Inteligência Artificial, responsável por monitorar e atualizar as diretrizes de uso da tecnologia, garantindo a governança digital e a conformidade com padrões internacionais.
Contribuições
Ao apresentar o documento final, o conselheiro Bandeira ressaltou as contribuições realizadas por cada um dos colegas. Segundo ele, foram realizados ajustes referentes à publicidade e à transparência. Graças aos acréscimos, houve ainda um avanço na contabilidade com as normas vigentes sobre a Plataforma Digital do Poder Judiciário (PDPJ); a disciplina das tags e dos marcadores a serem inseridos no sistema de IA dos tribunais; e preocupações orçamentárias.
A partir de uma manifestação realizada, coletivamente, pela Presidência e outros cinco conselheiros, foram feitas ainda modificações na composição do comitê, que obteve nova redação também sobre o seu funcionamento e competências. Outro aspecto importante foi que, a partir do novo texto, o grupo irá avaliar a conveniência do uso das soluções de IA em vez de ter o papel de vedar, conforme constava da minuta.
Foram incluídas também preocupações acerca de: soberania digital e letramento digital; acessibilidade dos documentos às pessoas com deficiência; uso da IA nas soluções que envolvam segurança pública; previsão para o desenvolvimento de APIs (interfaces de programação vinculadas a soluções de IA); periodicidade das auditorias e do monitoramento; e estabelecimento de padrões mínimos de transparência e protocolos padronizados para as auditorias. Outra preocupação foi o uso da linguagem simples nas comunicações, um dos pilares da gestão do presidente Barroso.
"De forma que conseguimos contemplar todas essas preocupações, todas elas legítimas e justas. Foi um esforço coletivo. Dei o meu melhor para tentar construir esse consenso e é bem possível que tenhamos algo a ajustar seja nos próximos meses ou nos próximos anos. Não temos de temer isso", afirmou o conselheiro, segundo o qual o objetivo da norma foi utilizar os parâmetros das melhores regulamentações internacionais sobre o tema.
Comentário
"A nova regulamentação do CNJ reforça a necessidade de um uso responsável da inteligência artificial no Judiciário, garantindo que essa tecnologia atue como suporte à atividade jurisdicional, sem comprometer a autonomia e a independência dos magistrados. A supervisão humana continua sendo um princípio central, assegurando que decisões judiciais não sejam automatizadas de forma irrestrita. Além disso, mecanismos de auditoria contínua e fiscalização garantirão que os sistemas de IA respeitem os direitos fundamentais e estejam alinhados à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Com isso, a regulamentação busca um equilíbrio entre inovação e segurança jurídica, permitindo que a IA contribua para a eficiência processual sem comprometer garantias essenciais do devido processo legal", explica Danielle Serafino, sócia do Opice Blum Advogados, especializado em direito digital.
O uso da IA no Judiciário brasileiro tem um grande potencial para reduzir gargalos e otimizar fluxos processuais. Danielle destaca a aplicação prática da tecnologia no dia a dia de magistrados e servidores, ampliando a eficiência na condução dos processos. Além de auxiliar na formulação de perguntas em audiências e na detecção de contradições em depoimentos, a IA pode sugerir trechos de jurisprudência relevantes, identificar lacunas processuais, gerar resumos automáticos de petições e classificar provas e evidências. Também pode apoiar magistrados na análise de linguagem das manifestações das partes, na geração de esboços de despachos e decisões e no mapeamento de fluxos processuais para otimizar sua tramitação. Outras aplicações consideram, ainda, uma análise preditiva da duração dos processos, o monitoramento de prazos, o alerta para possíveis inconsistências em decisões, garantindo maior previsibilidade e segurança jurídica.
A advogada ressalta ainda que a transformação no judiciário vai além da automação de tarefas. "A inteligência artificial tem o potencial de reformular a forma como o acesso à Justiça é concebido, tornando-a mais ágil e eficiente. No entanto, é essencial que essa evolução aconteça com critérios claros, respeitando direitos fundamentais e garantindo que a tecnologia sirva como um instrumento de inclusão e não de exclusão", conclui.