Imagine que a tecnologia não fosse apenas racional e lógica, mas também capaz de sentir. Imagine um mundo onde a IA não só calcula, mas percebe; não só responde, mas se conecta. Foi exatamente essa provocação que surgiu no painel Emotional Machines: AI, Feeling & The Human Body (Máquinas Emocionais: IA, Emoção e o Corpo Humano) no SXSW 2025, com Suhair Khan, Danielle Cobb, Robyn Landau e Barney Steel. A discussão não era sobre o que a IA pode fazer por nós, mas sim sobre como ela pode nos ajudar a entender melhor a nós mesmos.
Inteligência: muito além do racional
A forma como pensamos sobre inteligência sempre foi enviesada. Associamos inteligência à lógica, ao cálculo e à razão. Mas a verdade é que a maior parte da nossa inteligência é emocional e social. E, por muito tempo, essa dimensão foi deixada de lado no desenvolvimento da IA.
A neurociência já demonstrou que nosso corpo é um centro de inteligência tanto quanto nosso cérebro. Sensações, emoções e estados corporais afetam diretamente nossas decisões e percepções. Ainda assim, a IA que estamos criando reflete um modelo puramente cognitivo, distante da complexidade da experiência humana.
O painel trouxe uma reflexão essencial: e se a IA pudesse nos ajudar a nos reconectar com essa inteligência esquecida? E se, em vez de nos afastar do que nos torna humanos, ela nos ajudasse a sentir mais profundamente?
Tecnologia + Arte + Neurociência = o próximo salto evolutivo
O verdadeiro potencial da IA pode estar na interseção de áreas que antes pareciam distantes: tecnologia, neurociência, psicologia, arte e até materiais inovadores. Essa convergência pode mudar radicalmente nossa relação com a tecnologia e com nós mesmos.
Nos últimos anos, gigantes da tecnologia como o Google vêm desenvolvendo materiais avançados que reagem ao corpo humano. Metais com magnetismo direcionado, tecidos que mudam de textura e peso, sensores capazes de captar sinais fisiológicos em tempo real – tudo isso já existe. O que faltava era uma inteligência sofisticada o suficiente para interpretar esses sinais e transformá-los em experiências significativas. Agora, com a IA atingindo um novo nível de capacidade, estamos diante de uma convergência sem precedentes. E o que pode sair daí é realmente transformador.
Um dos conceitos discutidos no painel foi o Organoid AI – a ideia de inteligência biológica baseada em sistemas vivos. Isso significa que não estamos apenas criando novas tecnologias, mas também redefinindo como vivemos e percebemos o mundo.
Outro ponto fascinante foi a possibilidade de utilizar sensores e materiais responsivos para criar experiências completamente novas. Imagine roupas que respondem ao seu estado emocional, espaços que mudam conforme sua frequência cardíaca ou dispositivos que aumentam sua percepção do ambiente. Sensores e materiais inteligentes estão prontos para sair dos laboratórios e entrar no nosso cotidiano, e a IA pode ser a chave para desbloquear seu verdadeiro potencial.
O impacto profundo da experiência sensorial
Já ouviu falar no overview effect? É aquela sensação transformadora que astronautas descrevem ao verem a Terra do espaço – um momento de compreensão e pertencimento ao enxergar nosso planeta de uma perspectiva externa e perceber o quanto especial ele é. Agora, imagine ter uma experiência semelhante, só que sobre o próprio corpo.
Barney Steel, um dos painelistas, trabalha exatamente nisso. Ele cria experiências imersivas que permitem às pessoas ver e sentir o mundo de novas maneiras. Em uma de suas obras, o espectador embarca em uma jornada pelo seu corpo, visualizando a respiração como uma dança molecular, o fluxo sanguíneo como um rio vivo. É uma forma de transformar a relação que temos com nosso próprio organismo – um overview effect biológico.
Esse tipo de tecnologia nos permite visualizar o invisível, sentir o que antes era imperceptível e, com isso, redefinir nossa relação com o mundo. IA multimodal, sensores ambientais e interfaces hápticas não são apenas ferramentas – podem se tornar verdadeiros xamãs digitais, revelando novas dimensões da existência humana.
IA como facilitadora da conexão humana
A tecnologia pode nos afastar ou nos aproximar do mundo e uns dos outros. A grande questão que o painel levantou foi: para onde queremos que a IA nos leve?
Danielle Cobb propôs um cenário otimista: IA como co-reguladora emocional. Imagine um sistema inteligente que, em vez de gerar ansiedade, nos ajudasse a encontrar equilíbrio. Um dispositivo que monitora seu estado fisiológico e, em vez de apenas coletar dados, age para restaurar sua harmonia, regulando sua respiração, ajustando sua temperatura ou até oferecendo estímulos auditivos para acalmar sua mente.
Isso muda completamente a forma como pensamos a tecnologia. Em vez de ser uma ferramenta fria e distante, IA pode ser um guia, uma facilitadora de experiências que aprofundam nossa conexão com o corpo, com o ambiente e com as outras pessoas.
Um novo paradigma: A tecnologia como meio para redescobrir a humanidade
A tecnologia não precisa ser um espelho distorcido da racionalidade humana – ela pode ser uma ponte para nos conectarmos de maneira mais profunda com nosso próprio ser. O que estamos testemunhando agora é apenas o começo do começo.
À medida que a IA se torna mais sofisticada, novas portas se abrem. Sensores, materiais inteligentes e interfaces multimodais permitirão experiências que hoje só podemos imaginar. E talvez, no processo, descubramos que a verdadeira revolução não está na criação de máquinas cada vez mais parecidas conosco – mas em nos redescobrirmos através delas.
Se a IA pode nos ajudar a ver o invisível e sentir o que antes era intangível, então não estamos apenas construindo novas tecnologias. Estamos redefinindo o que significa ser humano.
Lucas Axelrud, coordenador de Business Marketing na Zallpy.