A Agência Nacional de Segurança dos EUA (NSA) nunca disse o que estava procurando quando invadiu os computadores da Petrobras, mas o governo brasileiro têm palpites: o tesouro de dados sobre as reservas de petróleo offshore do Brasil, ou talvez os planos de concessão de licenças para exploração de petróleo a empresas estrangeiras.
Do mesmo modo, a NSA não disse o que pretendia quando acessou os sistemas da China Telecom, uma das maiores operadoras de telecomunicações daquele país. Mas documentos vazados pelo ex-colaborador da NSA, Edward Snowden, deixam poucas dúvidas de que o principal objetivo era obter informações sobre unidades militares chinesas.
O interesse da agência de inteligência na fabricante chinesa de equipamentos de telecomunicações Huawei e na operadora de cabos submarinos de fibra ótica Pacnet, de Hong Kong, é mais óbvio: uma vez quebrada a tecnologia proprietária dessas empresas, a NSA pode ter acesso a milhões de conversas diárias e e-mails que nunca chegam às costas americanas.
Além disso, há uma atenção especial sobre Joaquín Almunia, o comissário antitruste da Comissão Europeia, que tem punido muitas empresas americanas, incluindo a Microsoft e a Intel — ele apenas chegou a um acordo provisório com o Google que terá de mudar muito a forma como opera na Europa.
Em cada um destes casos, as autoridades americanas insistem, quando falam off-the-record, que os EUA nunca agiu em nome de empresas americanas específicas, segundo o The New York Times. Mas o governo não nega o uso rotineiro da espionagem para obter vantagem econômica norte-americana, que é parte de sua definição ampla de segurança nacional. Em suma, segundo o jornal americano, os funcionários dizem que a NSA não pode espionar a Airbus e fornecer as informações para a Boeing, mas afirmam que ela é livre para espionar negociadores europeus ou asiáticos e usar os resultados para ajudar autoridades comerciais dos EUA — e, por extensão, as indústrias e os trabalhadores americanos.
Agora, as mesmas práticas de espionagem a corporações ao redor do mundo utilizadas pela NSA estão sendo condenadas pelo Departamento de Justiça dos EUA (DOJ) e usadas como argumentos contra cinco oficiais do Exército chinês, o que faz com que o governo Obama dê um novo significado à hipocrisia capitalista, segundo o jornal americano. Na concepção chinesa, os EUA desenvolveram seu próprio sistema de regras sobre o que constitui a espionagem "legal" e o que é ilegal. Essa definição, afirmam os chineses, tem a clara intenção de beneficiar a economia americana, construída em torno da santidade da propriedade intelectual pertencente às empresas privadas.
Com base nisso, a NSA se vê no direito de interceptar telefonemas ou e-mails de empresas da China para a Arábia Saudita, ou mesmo empresas que estão envolvidas em atividades que os EUA consideram vitais para sua segurança nacional, sem levar em conta as leis locais. A NSA diz que observa a lei americana ao redor do globo, mas admite que as leis locais não são obstáculos para suas operações.
Inteligência estrangeira
O caso da Petrobras é emblemático, segundo o New York Times. Do ponto de vista americano, a política energética brasileira é feita dentro da empresa estatal, que se confunde com o governo. Assim, sob a mesma lógica usada quando interceptou telefonemas da presidente do país, Dilma Rousseff, a NSA acredita ter autoridade, como responsável pela inteligência estrangeira, de mergulhar dentro da empresa. Dilma denunciou a NSA em setembro do ano passado em discurso nas Nações Unidas, ao dizer que as atividades da agência foram "uma violação ao direito internacional e uma afronta a soberania do Brasil".
Na verdade, as empresas petrolíferas estatais despertam um fascínio na NSA, assim como as empresas americanas de alta tecnologia são uma obsessão chinesa. Companhias de petróleo na Arábia Saudita, África, Irã e México têm sido alvos dos órgãos de inteligência dos EUA. As autoridades americanas dizem que a busca dentro corporações por insights sobre a política econômica é diferente de realmente roubar segredos corporativos.
"O que nós não fazemos, como já disse muitas vezes, é usar as nossas capacidades de inteligência para obter segredos comerciais de empresas estrangeiras, prara aumentar nossa competitividade internacional", afirmou James Clapper Jr., o diretor nacional de inteligência dos EUA, ao New York Times.
As autoridades americanas alegam que, às vezes, as corporações são observadas porque são suspeitas de, consciente ou inconscientemente, fornecer tecnologia aos governos norte-coreano ou iraniano. A alemã Siemens, por exemplo, era a principal fornecedora de controladores de fábrica que gerenciavam as centrífugas da principal usina de enriquecimento de irânio do Irã.
O vírus de computador Stuxnet, desenvolvido pelos EUA e Israel, foi criado para atacar os equipamentos da Siemens — e nunca ficou claro se a empresa sabia que suas máquinas estavam sob ataque. Mas, nesse caso, as autoridades americanas poderiam argumentar que a segurança nacional, e não a competitividade das empresas, era o objetivo.
Em contraste, quando descobre que uma unidade militar chinesa de piratas cibernéticos, a chamada "Unidade 61398", teria roubado segredos comerciais e industriais de empresas do setor energético e de produção de alumínio e aço dos EUA, o governo americano apresenta acusações contra cinco oficiais chineses por espionagem.
Alguns especialistas externos dizem que isso pode dar aos chineses a oportunidade de transformar a lógica do Departamento de Justiça americano como a de seu próprio governo, já que a suposta espionagem online chinesa contra o Sindicato dos Metalúrgicos e uma empresa de energia solar, a SolarWorld, teve a intenção de ganhar inteligência sobre as queixas de comércio.
Jack Goldsmith, professor de direito de Harvard, que serviu no Departamento de Justiça, sob a administração de George W. Bush, escreveu no blog Lawfare, na terça-feira, 20, que "parece muito com o tipo de cybersnooping [bisbilhotagem cibernética] sobre as empresas que os Estados Unidos faz".