É difícil apontar um único fator decisivo para o adiamento (desta vez sem prazo determinado) da votação do Marco Civil da Internet. Ao que tudo indica, foi a soma de diversos fatores que resultou na aprovação maciça do requerimento de retirada de pauta, apresentado pelo deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB/SP), na última terça, 20, com o apoio de nove líderes partidários. Um bom termômetro da falta de consenso sobre o texto do deputado relator Alessandro Molon (PT/RJ) são as 24 emendas que ele teria de enfrentar para aprovar o seu texto na íntegra.
A Análise feita a este noticiário por alguns dos especialistas que acompanham o projeto é que o assunto é complexo e demasiadamente técnico para a maioria dos deputados. Além disso, alguns interlocutores mencionam que houve pouco tempo de debate político com os atores envolvidos – a aprovação de um requerimento de urgência levou o Marco Civil para a votação em Plenário antes de ter sido aprovado em comissão especial. A construção do texto, como foi ressaltado inúmeras vezes por Molon, foi resultado de um processo de amplo debate com a sociedade com sete audiências públicas e contribuições recebidas também de forma online pelo portal e-Democracia da Câmara dos Deputados, mas raramente esse tipo de debate prévio é garantia de pacificação política.
Mas o que pesou para essa sensação de que houve pouco debate, segundo fontes ouvidas por este noticiário, foi o fato de que ainda na tarde da última terça, 20, circulava o que seria a última versão do texto com pequenas modificações no Artigo 9º, que trata da neutralidade de redes. Foi acrescentado, por exemplo, um inciso IV no parágrafo segundo do artigo, que impedia as teles de praticarem condutas anticoncorrenciais. Uma mudança simples, mas com grandes impactos na interpretação do artigo, sem que houvesse debate prévio sobre o tema.
Outras modificações também foram feitas depois do processo formal de debate com a sociedade, como o acréscimo do parágrafo segundo do Artigo 15, por exemplo, que isentou o provedor de conteúdo de ser responsabilizado caso não retire após ordem judicial conteúdo que infrinja direitos autorais.
Fonte das teles diz que qualquer alteração em um texto que pode virar lei – anda mais quando se refere a um setor do tamanho do de telecom – pede um prazo maior de análise, e não apenas algumas horas. Aliás, esse é mais um ponto que pode ser apontado como motivador do insucesso da aprovação do Marco Civil até aqui: o tamanho dos atores envolvidos. De um lado, os provedores de conteúdo, que desde o começo dos debates apoiaram o texto do Marco Civil – Google, Facebook e Mercado Livre – chegaram a divulgar uma carta aberta em apoio ao texto. De outro lado, os provedores de conexão que, por sua vez, sempre o criticaram. E ainda havia o interesse dos grupos de comunicação, que mesmo não se manifestando formalmente, deixavam claro, a todo instante, seus interesses no projeto. No caso do grupo Globo, um editorial do seu principal jornal, o O Globo, formalizou o desejo de aprovação do projeto depois da mudança no artigo que tratava da retirada de conteúdos protegidos por direitos autorais mediante simples notificação extrajudicial.
E é neste embate que está um outro ponto de discórdia. O Artigo 13 faculta aos provedores de conteúdo guardar os logs de acesso a aplicações, enquanto que o Artigo 12 proíbe que os provedores de conexão guardem esses mesmos registros, mas eles têm o dever, pelo Artigo 11, de guardarem por um ano os registros de conexão. Uma fonte ligada ao deputado Molon explica que a proibição de guarda dos logs de acesso a aplicações pelos provedores de conexão foi para garantir a privacidade dos usuários, que estaria colocada em risco na medida em que o provedor de conexão teria a guarda dos IPs de conexão – que permitem identificar os usuários – e dos registros de navegação desses IPs. Assim as teles poderiam cruzar esses dados e saber, por exemplo, os gostos pessoais dos seus clientes. Já o provedor de aplicação pode saber o que aquele IP fez (apenas na sua aplicação), mas não sabe qual usuário utilizou aquele IP naquele momento.
Mas o ponto central que provocou a retirada do projeto de pauta, por enquanto sem data de retorno, foi a manutenção dos logs. O que isso teria a ver com a pressão das teles, como declarou Molon? Da forma como foram redigidos os Artigos 12 e 13, segundo fontes ouvidas por este noticiário, ficariam inviabilizados modelos de negócio futuros e se poderia criar um monopólio dos provedores de conteúdo no mercado de publicidade online. As teles ficariam de fora. Vale lembrar que operadoras como Oi e a Telefônica já têm um acordo com a Phorm – uma companhia americana especializada em entrega de propaganda direcionada baseada no perfil de navegação do usuário. Uma fonte das empresas acredita que se o setor tivesse sido ouvido sobre esse tema, haveria chance de chegar a um texto que garantisse a privacidade dos usuários, mas não inviabilizasse modelos de negócios futuros tanto na questão da guarda dos registros de acesso a aplicações quanto na questão da neutralidade de rede.
Mas há quem assegure que a justificativa para a retirada de pauta de que havia dúvidas no Artigo 13, mencionada pelo deputado Eduardo Azeredo (PSDB/MG) e também por Molon, foi um "boi de piranha". O que teria pesado de verdade na mobilização para a aprovação do requerimento foi, ainda, a neutralidade de rede. O Artigo 9º impede que as teles façam acordos comerciais com os provedores de conteúdo, o que para as empresas seria uma forma de financiar a crescente demanda por investimento em rede. "Queremos fazer a gestão da rede e não queremos ser engessados em novos modelos de negócios", resume uma fonte das empresas. O fato é que interesses contrariados das teles estão por trás dos artigos mais polêmicos da proposta sobre os quais o relator Alessandro Molon não conseguiu até agora convencer seus pares, segundo fontes que acompanham o projeto. E quanto mais o tempo passa, mais argumentos contrários ao projeto começam a ser construídos, como já havia alertado este noticiário.