Uma das grandes dificuldades para pacientes de epilepsia é lidar com a imprevisibilidade das crises. Elas podem acontecer a qualquer momento e quando menos se espera – não importa o local, o horário ou quantas pessoas há ao redor. Além da preocupação com possíveis acidentes, os pacientes, em ocasiões sociais, ainda podem sofrer com o estigma e com o preconceito de pessoas que não entendem a doença.
Felizmente, esse cenário pode mudar em breve graças a uma inovação brasileira. A física Hilda Cerdeira, professora voluntária do Instituto de Física Teórica da Unesp e pesquisadora aposentada do ICTP, e sua filha, a engenheira Paula Gomez, estão desenvolvendo um dispositivo capaz de informar o paciente, com minutos de antecedência, que uma crise irá ocorrer.
"Ainda não há no mercado nenhum aparelho que consegue prever crises", diz Cerdeira. "Antecipá-las poderá ajudar, por exemplo, na prevenção de acidentes, pois dará ao paciente a oportunidade de sair de uma situação de risco".
O projeto venceu, em novembro de 2015, o prêmio Empreenda Saúde, do Hospital Sírio-Libanês, de São Paulo, e da Fundação Everis, e chegou a ser finalista do prêmio internacional da Epilepsy Foundation, dos Estados Unidos
"A possibilidade de detectar crises antes de acontecerem pode abrir novas perspectivas na busca de intervenções para bloquear seu aparecimento", sugeriu Li Li Min, pesquisador do Instituto de Pesquisa sobre Neurociências e Neurotecnologia (BRAINN).
A ideia do dispositivo de Cerdeira e Gomez é monitorar os sinais cerebrais de maneira contínua, acompanhando "de fora" a comunicação entre neurônios cerebrais. Isso será feito através de dois eletrodos, posicionados de maneira discreta e não invasiva na cabeça do paciente.
Os sinais serão enviados para um pequeno processador, que lembrará um aparelho auditivo, capaz de analisar os padrões cerebrais. Quando o padrão que precede uma crise epiléptica for detectado, um alerta será enviado para o celular do paciente.
"A imprevisibilidade das crises é um dos aspectos que mais afligem as pessoas com epilepsia", diz Li. "A possibilidade de saber quando uma crise está para acontecer permitirá a elas se prepararem e se protegerem".
Para ajudar ainda mais quem tem epilepsia, o aplicativo conta com a opção de avisar automaticamente parentes e amigos de que a crise está vindo."Essa função pode ser útil para alertar pais de que uma criança terá uma crise em breve, por exemplo", explica Gomez.
Física e Medicina
Física e Medicina podem parecer áreas bastante distantes, mas na verdade são mais próximas do que se imagina. A experiência de Cerdeira com sistemas caóticos, por exemplo, foi decisiva para a idealização e o desenvolvimento do projeto médico.
"Soube do problema quando dei uma palestra em um hospital, há cinco anos, sobre sincronização", conta ela. "Como a epilepsia é uma condição relacionada à sincronização de neurônios, me interessei por ela e comecei a estudá-la".
Cerdeira sabia que os padrões de crises de epilepsia podiam ser observados em exames de eletroencefalografia (EEG). Entretanto, devido à complexidade dos sinais neuronais, pesquisas médicas não conseguiam prever crises com acuidade. Cerdeira, então, se perguntou se, analisando exames de EEG, seria possível achar um padrão nesses sinais que precedesse as crises.
A pesquisadora discutiu o problema com a filha, Gomez, e elas começaram a trabalhar no projeto. Através de simulações realizadas em computador, Cerdeira e Gomez conseguiram identificar sinais característicos de um surto, que sempre apareciam antes que eles acontecessem. Para tanto, os conhecimentos em sistema caóticos foram fundamentais.
A partir desta descoberta, mãe e filha desenvolveram um software capaz de detectar tais padrões cerebrais e prever as crises epilépticas.
Previsão de lançamento
As pesquisadoras contam que o software já está pronto e foi testado com dados disponibilizados na internet em 50 pacientes e cerca de 200 surtos de epilepsias focais e generalizadas. A previsão de crises funcionou em 90% dos casos e antecipou os surtos, em média, em 25 minutos – tempo que permitiria aos pacientes adotar medidas de segurança necessárias na maioria dos casos. "Esperamos ter o hardware pronto no segundo semestre desse ano e iniciar a fase de testes clínicos", fala Gomez. "A previsão é que o aparelho fique pronto em 2018".
As pesquisadoras pretendem também criar uma interface na internet para o software desenvolvido por elas. Dessa maneira, cientistas do mundo inteiro poderão mandar dados de exames para serem analisados. "O próximo passo será conseguir um volume maior de dados e testar o dispositivo com outros tipos de epilepsia", diz Cerdeira.