A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) publicou a relação dos sete primeiros processos administrativos abertos para a aplicação de sanção por suposta violação à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Os investigados são seis órgãos públicos e uma empresa privada: Ministério da Saúde, Telekall, Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Secretaria de Educação do Distrito Federal, Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina, Instituto de Assistência ao Servidor Público Estadual de São Paulo (Iamspe) e Secretaria de Desenvolvimento Social, Criança e Juventude de Pernambuco.
Segundo a autarquia, todos os processos estão na fase inicial, de instrução para juntada de provas, entre documentos e testemunhas. A ausência de comunicação aos titulares dos dados sobre incidentes de segurança é a infração mais comum.
Advogados especializados no tema chamam a atenção para o fato de órgãos públicos dominarem a lista. Também apontam uma mudança de postura da ANPD, além da possibilidade de perda de reputação das investigadas.
"A publicização dos infratores por parte da ANPD foi um duro golpe nas empresas e pessoas físicas que não se adequaram à LGPD ou apostaram em um comportamento menos rígido por parte do referido órgão. Isso indica uma guinada de comportamento por parte da ANPD, ilustrando que a autarquia deverá adotar uma posição mais ativa na fiscalização do cumprimento da LGPD e normas correlatas", diz Bruno Guerra de Azevedo, sócio na área de LGPD e Direito Digital do SGMP Advogados.
Azevedo lembra que a publicização dos infratores é apenas uma das sanções previstas no art. 52 da LGPD, podendo ainda tais empresas sofrerem a aplicação de multas calculadas sobre o seu faturamento anual do exercício anterior, além de advertências, bloqueio de banco de dados, eliminação de informações ou até mesmo suspensão ou proibição de exercício de atividades de tratamento de dados. "Além disso, o processo administrativo não isenta os infratores de sofrerem as consequências de um processo judicial. Tal ação é benéfica para nosso mercado, eis que a LGPD veio para garantir um ambiente corporativo e mercadológico mais profissional, justo e seguro, que premia os bons agentes de tratamento e pune aqueles que não se adequaram à nova realidade", complementa.
Raphael De Matos Cardoso, especialista em proteção de dados e sócio do Marzagão Balaró Advogados, entende que a transparência precisa ser avaliada sem o "dogmatismo quase religioso que tomou conta nos últimos anos, como se tudo devesse ser publicizado ativamente pelo poder público". "No caso de processos sancionatórios, a despretensiosa divulgação já pode, por si, resultar em dano reputacional. A divulgação do nome da empresa denunciada ou investigada, a depender da atividade e sensibilidade dos dados tratados por ela, pode resultar na saída em massa de clientes e/ou usuários, e grave crise de liquidez", alerta.
Cardoso sustenta ainda que a divulgação pode influenciar os movimentos do mercado, seja pelos players ou pelos consumidores, bem como eventualmente capturar uma agenda política. "Por exemplo, dos milhares de processos que foram instaurados, por qual razão a Agência selecionou o rol publicado?", indaga.
Ricardo Rodrigues Farias, também sócio do Marzagão Balaró Advogados e especialista em proteção de dados, demonstra preocupação com a fala da ANPD de que "a sanção de publicização, prevista na LGPD, não impede e não se confunde com a divulgação dos dados e informações referentes ao processo administrativo sancionador em curso".
"Processo público não se confunde com divulgação ativa de toda a atividade sancionatória. Claro que não estamos a dizer que os processos devem ser sigilosos, embora em alguns casos o sigilo se justifique, tampouco que a Agência não analise detidamente o impacto de suas ações, mas o cenário atual implica questões que devem ser mais bem amadurecidas", comenta.
Faria também vê com apreensão o fato de que os acusados, em sua grande maioria, são os poderes públicos. "Algumas sanções podem inviabilizar a execução de políticas públicas e até de serviços públicos, o que não está bem resolvido pelo regulamento de dosimetria", alerta.
Na mesma linha, Rafael Edelmann, head de Compliance e Assuntos Regulatórios no GVM Advogados, questiona se os órgãos públicos não tiveram condições de se adequar à legislação. "Foi uma falha administrativa? Sabemos que muitos órgãos públicos estão com pessoal insuficiente para dar conta da demanda, mas acredito que em alguma medida essa deficiência deveria ter sido endereçada antes de se tornar um processo na ANPD. O único ator privado, a Telekall, chama atenção por estar fora do circuito das grandes plataformas, como o Facebook, que tiveram problemas de privacidade no passado", recorda.
Edelmann destaca que vários dos casos envolvem o não atendimento às determinações da ANPD. "Isso pressupõe que já tenha havido troca entre a autoridade e as partes investigadas. Vale perguntarmos por que essas requisições não foram atendidas, e porque houve esse desrespeito. Consideraram que a ANPD não iria dar sequência nos processos? É uma das perguntas que precisam ser respondidas", finaliza.