As demandas do comércio digital cresceram exponencialmente nos últimos anos. Apenas em 2021 o setor de e-commerce no Brasil cresceu 26,9%, segundo levantamento da Neotrust, totalizando 353 milhões de entregas e um faturamento de mais de R$160 bilhões. À medida que a demanda cresce e a concorrência também, surge a necessidade de aprimorar e inovar, seja nos produtos, no serviço ou até mesmo na forma como as entregas são feitas. Nesse contexto, uma das iniciativas mais recentes, que inclusive já tem sido adotada no Brasil, são as entregas autônomas.
A possibilidade de se fazer entrega por veículos autônomos, isto é, sem que haja a necessidade da presença ou condução humana – tais como drones, carros e vans equipados com dispositivos como sensores, câmeras e GPS -, se bem estruturadas, podem proporcionar uma série de benefícios, como a redução de emissões de CO2, custos de viagem e transporte, tráfego nas cidades, bem como viabilizar entregas mais céleres – aspecto bastante valorizado pelos consumidores ao efetuarem suas compras.
Tendo em vista os benefícios que pode proporcionar, a automação do delivery se tornou uma das grandes metas dos setores de logística de diversas empresas. No final de 2021, por exemplo, o Walmart anunciou uma parceria com a Ford e a startup especializada em tecnologia de direção autônoma, Argo AI, para disponibilizar um serviço de entrega de mercadorias com carros autônomos, prometendo entregas rápidas de alimentos e outros produtos dentro de determinadas áreas geográficas. No contexto nacional – e considerando o espaço aéreo – em janeiro de 2022, o iFood anunciou que recebeu uma autorização da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) para realizar entregas com drones no Brasil, tornando-se a primeira empresa da América Latina a utilizar a tecnologia para o delivery.
Embora a tecnologia já esteja sendo amplamente desenvolvida e até implementada por algumas empresas, é necessário se atentar a alguns aspectos práticos e regulatórios em relação à utilização de veículos autônomos no delivery. O primeiro deles é o desafio de desenvolver um sistema capaz de compreender o espaço de uma maneira precisa, de modo que as ações comandadas pelo software sejam rápidas e assertivas o suficiente para não colocar em risco os demais veículos – aéreos ou terrestres – e pedestres. Supondo que diversos drones estejam voando, como garantir que eles não colidam entre si ou com aeronaves de passageiros, ou até mesmo com a fiação urbana?
Diante disso, reitera-se a importância de que as previsões regulatórias, além de estabelecer normas padrão para a operação de veículos autônomos, tais como alturas mínimas e máximas, condições climáticas e delimitações territoriais, tragam ações que permitam a fiscalização. Vale mencionar o controle do número de veículos – especialmente aero veículos –, de diversas empresas, que poderão operar no mesmo período e espaço. Milhares de drones no céu simultaneamente, por exemplo, podem elevar drasticamente as taxas de ocorrência de incidentes e favorecer a poluição sonora e urbana.
A autorização concedida pela Anac ao fabricante Speedbird Aero para a realização de entregas comerciais com drones junto ao iFood, por exemplo, estabeleceu que a aeronave não tripulada somente poderia operar em rotas BVLOS (Beyond Visual Line of Sight), ou seja, que estão além da linha visual do piloto. Algumas das restrições fixadas no termo de autorização são o limite de peso de 2,5 kg em um raio máximo de 3 km, inclusive em ambientes urbanos, sendo necessário adotar certas medidas de segurança, tais como não sobrevoar pessoas, manter distância de possíveis fontes de interferência eletromagnética, observar alturas máximas e mínimas de operação e as condições meteorológicas.
Também é importante avaliar de que maneira os órgãos regulatórios setoriais podem intervir na descrição dos limites da tomada de decisão dos veículos autônomos, uma vez que, em muitos dos casos, os softwares devem calcular entre questões de segurança pública e utilidade. Nesse cenário, o Projeto de Lei n. 21/2020 ("Marco Legal da Inteligência Artificial") apresenta certa relevância. Apesar do texto possuir um caráter principiológico, ele atribui às autoridades setoriais a competência para regular a operação e uso da inteligência artificial nas atividades comerciais.
Dessa maneira, caso a ANAC seja entendida como a autoridade competente das atividades de entregas autônomas aéreas, e o PL for aprovado com a redação atual, caberá ao órgão regular a operacionalização da IA junto às entregas autônomas. Vale questionar o mesmo para as entregas autônomas terrestres: a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) será considerada a autoridade setorial competente?
A implementação de entregas autônomas pode beneficiar as empresas, os consumidores e, a depender da forma como for empregada, o meio ambiente. No entanto, é fato que se trata de uma prática que necessita de regulação precisa, uma vez que impacta a forma como o espaço aéreo será ocupado e inaugura uma nova fase da logística urbana.
Bruna Castanheira, coordenadora da equipe de Tech Regulation do B/Luz e Lara Salgueiro, estagiária da equipe de Tech Regulation do B/Luz.