Porque Amazon é uma ameaça tão grande e o que as empresas deveriam aprender com a indústria automotiva?

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Sabemos que a Amazon vem capturando todo o market share e também todo o lucro do setor de varejo americano. A Toys´R´Us, tradicional varejista americana, foi a última vítima da gigante Amazon e entrou com pedido de falência no mês de setembro. Entre as muitas razões para seu sucesso, seguramente uma das principais é que, desde sua fundação, Jeff Bezos buscou que todos os seus processos de negócio pudessem gradativamente ser automatizados, ou seja, executados por robots inteligentes.

Hoje, grande parte das empresas tem tentado manter a competitividade se equipando com tecnologias de ponta. Como consequência, vemos as ações das empresas de tecnologia nos EUA subir, em decorrência do chamado efeito "Amazon": a busca por tecnologias que possam ser uma bala de prata contra o arqui-inimigo. Ótimo para indústria de tecnologia e péssimo para os varejistas.

Normalmente, os projetos desenvolvidos pelas empresas são do tipo CRM / customer centricity / transformação digital / big data / inteligência artificial / analytics. Aqui no Brasil, a Amazon ainda não assusta e nem podemos ter certeza se algum dia vai assustar. Entretanto, uma coisa é certa: o sucesso ou fracasso das empresas será cada vez mais determinado pela capacidade que possuem de fazer a inteligência analítica permear seus processos de forma automatizada e produtiva.

Como 84% dos projetos de transformação digital fracassam, talvez seja prudente buscar respostas sobre como se tornar mais competitivo e ter mais chances de sucesso olhando para o setor automotivo, que há décadas utiliza inteligência e automação para continuamente manter sua competitividade, preservando vendas e margens.

Vale lembrar que a jornada da Amazon na construção de seus sistemas automatizados e inteligentes para execução de processos de negócio começou cedo. O grande marco é meados de 2002, quando Jeff Bezos enviou uma carta para as equipes descrevendo os princípios da arquitetura sistêmica que ele desejava para sua companhia. No começo, a arquitetura proposta por Bezos significou apenas ganhos incrementais de eficiência operacional, já que os robots apenas seguiam especificações elementares feitas por uma pessoa. Com o passar do tempo e a revolução da inteligência artificial, os robots passaram a ser capazes de tomar decisões sobre qual a melhor próxima ação para o negócio, cada vez com mais autonomia, assertividade e velocidade. Tudo de forma incomparavelmente superior ao que um tomador de decisão humano consegue alcançar. Hoje a Amazon colhe os frutos desse investimento. No entanto, o que ela fez não foi exatamente novo: a indústria automotiva vem seguindo esse mesmo plano e incorporando automação e inteligência em seus processos de negócio desde a década de 60.

Enquanto a concorrência se amplia, ainda vamos ver muitas empresas continuar tentando simplesmente emular a Amazon. Como consequência mais provável, temos o fracasso. Olhando para a indústria automotiva podemos fazer algumas considerações que podem dar mais sustentabilidade ao uso de analytics e automação como uma estratégia corporativa de diferenciação, entre elas:

Adequação da expertise interna combinada com outsourcing: a indústria automotiva faz outsourcing de até 75% da sua produção. É sem dúvida mais barato e eficiente delegar a produção de parabrisa para um fornecedor especializado, que vai ter a profundidade técnica necessária para produzir um produto de alta qualidade. No entanto, a indústria automotiva entende a importância de ter pessoas que sabem como os processos e componentes que contrata de seus fornecedores funcionam e, ainda mais importante, como devem atuar em conjunto. Isso permite que solicitem corretamente, evitem desperdícios e desafiem seus fornecedores a sempre fazerem o melhor em processos, qualidade, tecnologia e preço.

Enquanto isso vemos que, em geral, os projetos de CRM / customer centricity / transformação digital / big data / inteligência artificial / analytics são contratados por equipes com pouca ou nenhuma experiência nos temas. Ainda pior é que não existe um entendimento de como a melhoria contratada será incorporada como parte do processo da empresa e como contribuirá para a geração de resultados. A má especificação de requisitos combinada com a assimetria de informação entre empresa e fornecedor, via de regra, resulta em projetos caros que entregam menos que o esperado.

Objetivos compartilhados com parceiros tecnológicos: a indústria automotiva também se mostra extremamente eficiente na gestão de relacionamentos de longo prazo e rentáveis com seus fornecedores. Talvez a principal razão para isso seja o alinhamento de incentivos entre fornecedores e empresa. Normalmente as montadoras fazem um "hedging" de suas apostas tendo diferentes fornecedores para os mesmos componentes ou processos. Um robot de uma célula de medição deve executar o mesmo processo, dentro dos mesmos requisitos de tempo e precisão, e pode ser de diferentes marcas. Como vimos acima, ao mesmo tempo que as montadoras fazem outsourcing de grande parte de sua produção e trabalham de forma muito integrada com seus fornecedores, elas também são desacopladas deles, significando que podem continuamente esperar ganhos de performance em seus processos porque é sempre do interesse do fornecedor melhorar sua entrega para permanecer competitivo. Essa situação é muito diferente do cenário com projetos de analytics, etc. onde, normalmente, os fornecedores possuem baixo envolvimento ou têm pouco ou nenhum incentivo para melhorar sua entrega após a assinatura do contrato e a entrada em regime de produção.

Sistema Toyota de Produção: talvez a estratégia mais valiosa que pode ser absorvida da indústria automotiva seja o entendimento do sistema Toyota de produção. O STP tem como objetivo central o aumento da produtividade e da eficiência e é pautado na melhoria contínua das operações e negócios. Isso significa, entre outras coisas:

Privilegiar soluções simples, específicas para o objetivo que se quer tratar;

Entregar continuamente valor para o negócio com ciclos rápidos de melhorias;

Administrar cientificamente o resultado das melhorias;

A realidade nos projetos que vemos é bem diferente do que está acima:

Uso de tecnologia generalista com "plataformas" que requerem investimentos massivos, muitas vezes maiores que a própria solução, em integração e customização para fazerem uma atividade especializada que poderia ser resolvida em 1/10 do tempo e 1/5 do custo com uma ferramenta específica;

Ao invés de existir um grande número de entregas programadas ao longo de todo tempo de execução do projeto a partir do mês um, existe um projeto monolítico com um tempo até a primeira entrega de valor para o negócio, que muitas vezes passa de seis meses;

Desconhecimento ou dificuldade de ter indicadores claros de performance do processo que se quer melhorar: tempo, qualidade, resultado, etc. Como consequência fica difícil estabelecer metas e objetivos para as melhorias que o projeto deve trazer para a organização;

Por fim, um caminho mais promissor

Seguramente, analytics e automação serão determinantes para a competitividade e sobrevivência das empresas. No entanto, na maior parte das vezes, os investimentos estão sendo feitos com a expectativa que uma tecnologia possa servir como uma bala de prata que naturalmente vai resultar em maior competitividade. A desconsideração de fatores organizacionais, que passam por pessoas, processos e o baixo envolvimento solicitado aos fornecedores, impede que grande parte dos benefícios potenciais sejam capturados. No entanto, não é necessário que assim seja e aproveito para fechar esse tema com o pensamento de Taiichi Ohno, o engenheiro considerado responsável pela criação do Sistema Toyota de Produção: "Por que não tornar o trabalho mais fácil e mais interessante para que as pessoas não tenham que suar? O estilo Toyota não é criar resultados trabalhando duro. É um sistema que diz que não há limite para a criatividade das pessoas. As pessoas não vão para a Toyota para 'trabalhar', elas vão lá para "pensar".

Manuel Guimarães, empreendedor e fundador da Propz.

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